Poesia e polícia
A história passa-se na República Democrática Alemã, nos seus últimos anos, e vem contada numa aliciante obra de investigação, resultante da consulta de arquivos e de entrevistas pessoais, do jornalista Philip Oltermann: The Stasi Poetry Circle.
Tudo começa com uma inocente iniciativa daquela polícia política, ao promover, a exemplo de outras instituições, fábricas e empresas, ministérios e agências governamentais, concursos de poesia para os seus trabalhadores. A iniciativa resultou em algumas revelações de monótonos hinos ao futuro da sociedade. Mas um poeta mais ambicioso, Uwe Berger, decidiu organizar cursos de poesia para os agentes da Stasi que fossem mais propensos à lírica.
Na fundação da RDA, a afirmação da herança literária da Alemanha foi um elemento importante na legitimação intelectual daquela república, sobretudo pela influência que teve então um poeta interessante, Johannes Becher. Para além da utopia de uma “República Literária”, Becher defendia algumas teses poéticas curiosas, como a superioridade da forma soneto, enquanto manifestação exemplar da dialética.
George Steiner, insuspeito de comunismo, notou no seu ensaio The Uncommon Reader (1978) que a leitura e a literatura tinham, nos países da Cortina de Ferro, um prestígio quase religioso. O outro lado da medalha era o que Osip Mandelstam denunciava, com ironia amarga: “Nestes países a poesia é tão importante, que um poeta pode ser condenado à morte por um poema.” Mas uma coisa pode estar ligada à outra...
A verdade é que o desenvolvimento destes cursos de poesia levou os agentes beneficiários daquela formação a poderem infiltrar-se nos meios literários e intelectuais e usarem a cultura literária adquirida para as suas tarefas de vigilância e espionagem, sobretudo nos intercâmbios literários entre poetas das duas repúblicas alemãs divididas. A ideia era que mensagens cifradas de subversão política poderiam ser transmitidas através de imagens e metáforas poéticas, que cabia a esta divisão de polícias-poetas desmontar.
É-nos difícil, nas nossas sociedades liberais, imaginar a cultura de vigilância que reinava naqueles países. A manutenção durante três anos de escutas telefónicas a cidadãos contra os quais não pendia qualquer acusação, como foi feito à poeta Annegeret Gollin, seria impensável na nossa sociedade democrática, não é verdade? Para a Stasi, todos os cidadãos, mas sobretudo os intelectuais, eram por natureza suspeitos e toda a sociedade deveria ser mantida sob cerrada vigilância, por todos os meios, em especial sobre aqueles que se destacassem em qualquer área do saber.
É nosso dever fazer com que esses tempos não regressem, agora sob outras justificações ideológicas. A liberdade custa a alcançar, mas é muito fácil de minar.