PGR. Uma segunda oportunidade para Amadeu Guerra
O novo Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, vai assumir funções num momento em que o escrutínio sobre a ação da Justiça, em geral, e do Ministério Público (MP), em particular, está mais vigoroso do que nunca. Um escrutínio saudável em qualquer Democracia robusta que há muito incide sobre os outros pilares do Estado de Direito, como são o poder Executivo e Legislativo.
A escolha de Amadeu Guerra, que dirigiu entre 2013 e 2019 o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), por onde passam os processos mais complexos de criminalidade organizada, não mereceu uma unanimidade de aplausos, principalmente porque quem só olha para alguns dos processos mais mediáticos, que envolvem figuras políticas, tem dificuldade em reconhecer-lhe competência na forma como os geriu.
Caso da Operação Marquês, uma investigação que começou torta e nunca se endireitou. Megalómana, a alimentar tabloides com inúmeras violações do segredo de justiça, quando, tendo em conta a magnitude do que estava em causa (suspeitas de corrupção de um chefe de Governo) deveria ter sido uma acusação à prova de bala, com factos bem seguros, para chegar rapidamente a julgamento. O qual, 10 anos depois da detenção em direto de José Sócrates, não está sequer marcado.
Mas não foi caso único no rasto dos trágicos “mega-processos”. O inquérito da EDP que iniciou em 2014, já com uma acusação deduzida contra o ex-ministro da Economia de Sócrates, Manuel Pinho, e o ex-banqueiro Ricardo Salgado, continua a acumular arguidos (entre os quais António Mexia, ex-presidente executivo da EDP), com sucessivas extrações de certidões, e sem desfecho à vista.
Acresce ainda o caso “Vistos Gold”, no qual, com a validação do “super-juiz” Carlos Alexandre, um ex-diretor nacional do SEF esteve em prisão preventiva e foi julgado, juntamente com um ex-ministro da Administração Interna, saindo absolvidos de todas as imputações.
Mas o desempenho de Amadeu Guerra tem também inúmeros sucessos de investigação, que demonstraram eficácia e determinação contra o crime organizado e até um inédito caso de espionagem. Exemplos são as históricas acusações e condenações como as do espião do SIS que vendia segredos à Rússia; a dos motards dos Hells Angels; as do processo Aquiles (condenado um ex-coordenador de investigação criminal da Polícia Judiciária); as da operação Fizz (um procurador); as do roubo do material militar em Tancos; ou as do BPN, com Oliveira Costa, o ex-líder do banco e ex-secretário de Estado de Cavaco Silva, a ver ser-lhe aplicada uma pena de 14 anos de prisão.
Há, porém, uma diferença substancial nesta nova etapa de Amadeu Guerra, que herda uma investigação (Operação Influencer) do DCIAP, que começou também mal e teve como primeiro impacto a demissão do primeiro-ministro António Costa e a eleições antecipadas, sem que até agora se perceba porquê.
Vai ter uma segunda oportunidade de corrigir erros de organização no MP, escolher dirigentes mais competentes e chamar os órgãos de polícia criminal (OPC) mais adequados e tecnicamente apetrechados.
O DCIAP, além dos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) regionais de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora, vão ser alvo de uma inspeção extraordinária, decidida pelo Conselho Superior do Ministério Público, cujo objetivo é, precisamente, apurar as causas dos “prazos geriáticos” de inquéritos e detetar se existe “grave patologia funcional ou mesmo anomalia institucional” que tenha permitido a manutenção de investigações em curso com mais de 12 anos, segundo o autor da proposta, o conselheiro Orlando Massarico, citado pelo Observador.
Ora, não deve ser difícil saber quem são os procuradores titulares dos processos que mais se têm arrastado, verificar a correspondência entre as medidas de coação propostas pelo MP e as que, de facto, são decididas pelo tribunal na fase de inquérito, instrução em julgamento, ou quantos dos acusados foram condenados – e identificar os seus responsáveis. Também será fácil apurar quem são os responsáveis pelos processos onde há mais violações de segredo de justiça.
No que toca aos processos que envolvem os titulares de cargos políticos, a sua atenção terá de ser redobrada, pois, apesar de a justiça ser igual para todos, estes casos alimentam o populismo e os extremismos. O mesmo para os inquéritos titulados pelo MP junto dos tribunais da Relação, que têm magistrados como arguidos, juízes e procuradores, boa parte lenta ao ponto de levantar suspeitas sobre o domínio de um corporativismo nocivo para o interesse da Justiça e do país.
Guerra tem agora esta segunda oportunidade de causar melhor impressão. Basta olhar para a sua própria experiência, para as lições aprendidas, e não cometer os mesmos erros.