PGR: escolher

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Vem a caminho uma nova  ou um novo procurador-geral da República. Justifica-se reflexão redobrada e poderá ser útil o conhecimento do passado.

Vivi de perto a escolha dum PGR ,em 2006, sob as mesmas regras constitucionais que hoje vigoram. Como o ex-Presidente Cavaco Silva já divulgou vários pormenores desse processo nas suas memórias, sinto-me à vontade para o abordar, observando um nível de reserva análogo ao que ele se impôs. E registo o que foi o seu juízo, quando se atingiu o final: “Um processo que correu bem, apesar da divergência de posições, ultrapassada através de um diálogo civilizado, franco e aberto”, em que o seu interlocutor foi o então primeiro-ministro  José Sócrates.

Coube-me propor ao PM os nomes que ele foi apresentando ao PR, até ser atingida a solução. Embora, em abstracto, houvesse preferência por alguém que fosse juiz do Supremo Tribunal de Justiça, depois de ponderações muito concretas, a personalidade que pareceu ao Governo reunir melhores condições e que o PM, como sua opção, levou ao PR, estava na categoria cimeira do Ministério Público, a de procurador-geral-adjunto. Não obstante reconhecer a “cuidada apresentação” da proposta e referir que tinha “recolhido boas indicações quanto à competência e capacidade de acção da pessoa”, ela foi recusada pelo ex-Presidente Cavaco Silva, por motivos que viria a trazer a público.

Tinham a ver com “o facto de pertencer ao quadro do MP”, ser “pessoa muito nova na hierarquia dos procuradores-gerais-adjuntos” e “saber que a personalidade indicada seria muito mal aceite pelo PSD”.

Na etapa seguinte, o nome que sugeri e o PM propôs ao PR era o de um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, particularmente qualificado no domínio penal. Mereceu, de novo, uma avaliação negativa (desta vez, declarações proferidas poucos meses antes pelo conselheiro indicado terão constituído argumento decisivo).

Como o ex-Presidente entendeu tornar público mais tarde, foi só o terceiro nome proposto que veio a ser considerado “admissível” - e isto para que desse início a uma sequência de passos, acordada, que incluía uma “audição dos líderes de todos os partidos com representação parlamentar” acerca do perfil… mas sem revelar o nome. O último desses passos, na ordem combinada, destinava-se a apurar se o líder do PSD objectava relativamente à pessoa (em momento anterior tinha-se já pronunciado a favor da escolha dum juiz do STJ). E os passos acordados foram cumpridos.

Não tenho conhecimento directo de como se passaram as coisas nas duas nomeações que ocorreram depois dessa (sobre uma delas, é pública uma versão). No que respeita ao método, não sei, em rigor, se se progrediu ou se se regrediu.

Mas a repetição dum modelo como o que referi parece-me, hoje, insuficiente (e só não digo mais dada a total inoportunidade de pensar agora em termos que exigissem revisão, neste ponto, da Constituição). A pura repetição estaria longe de servir adequadamente o objectivo de recuperação de credibilidade e autoridade social que a situação que se atingiu impõe. Há que fazer evoluir o procedimento, para corresponder a acrescidas exigências de publicidade e transparência, que constituem, agora mais do nunca, requisitos de legitimação social.

Há quase duas décadas, PR e Governo - e este com maioria absoluta no Parlamento - acordaram num “embrião” de audição e numa inclusão informal do maior partido de oposição no processo de escolha (incidindo, neste caso, já sobre o próprio nome), uma e outra não requeridas nas regras constitucionais aplicáveis. AR, PR e Governo enfrentam hoje o desafio de, neste domínio, ir para lá e fazer melhor do que então se fez. Precisam de inovar.

Seria imprudente esperar por uma incerta e longínqua revisão constitucional para enriquecer - democrática e parlamentarmente - o processo de nomeação dum(a) PGR. Faz-nos hoje falta  uma legitimação reforçada também pelo procedimento. Quem pense que será bastante o acordo de dois ou mais partidos nalgum momento do processo subavalia a dimensão dos problemas que enfrentamos.


Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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