Pensar diferente, Armar às Forças

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“O objetivo da guerra é retirar ao inimigo a vontade de combater”
Sun Tzu, do livro “A Arte da Guerra”

Em Portugal ninguém dá importância às Forças Armadas. A começar pela classe política.
Normalmente, os ministros da Defesa são “paraquedistas”, cuja principal missão é
manter um ar solene, fazer um esforço para não se enganarem nas patentes e mexer
muito para deixar tudo na mesma. A tropa não dá votos, logo é um tabu político. O povo também perdeu o interesse de outrora. As donzelas já não suspiram à janela por uma farda com os dourados a brilhar. Os militares que fizeram a guerra colonial e o 25 de abril são socialmente vistos como funcionários públicos a fazer pela vidinha.

A tropa foi posta na prateleira, mas também gostou de ir para lá. Os desvarios
revolucionários puseram em causa a ética e a disciplina, pelo que os militares que não
participaram no golpe quiseram afastar-se dos holofotes mediáticos, refugiando-se atrás de um organigrama megalómano, para o qual foi preciso criar uma burocracia
desnecessária que dê trabalho a todos.

Abandonados à sua mercê pela política, as chefias militares nunca tiveram a capacidade
de formar uma cultura militar à sociedade civil, e em particular aos partidos políticos. O
IDN – Instituto de Defesa Nacional (onde assisti a um brilhante histórico debate com um
triunfante Mário Soares e um Álvaro Cunhal debilitado) foi tomado de assalto pela
formação obrigatória inconsequente. A verdade é que as chefias militares não quiseram
chatear, para não serem chateadas. E agora, bem podem gritar que ninguém os ouve.
Poucos sabem de Defesa, e os que sabem debitam os manuais NATO pensados para
guerras de porta-aviões, mais as suas frotas de apoio e armamento de ponta, que custam meio PIB português. Num país que não nada em dinheiro, fica sobretudo a ideia de que andamos a fazer o que nos mandam, em vez de termos a capacidade de pensar pela própria cabeça e encontrar as melhores soluções para os nossos problemas (perdemos o know-how da guerra de guerrilha colonial?).

Convém deixar claro que há muita qualidade nas Forças Armadas portuguesas. Pelos
menos aos olhos da opinião pública, o almirante Gouveia e Melo tem feito um esforço de modernização assinalável. A presença portuguesa em missões no estrangeiro
normalmente corre bem. Os portugueses têm a flexibilidade de se adaptarem às culturas locais e fazerem pontes de tolerância onde impera o ódio extremista. Há também algumas unidades bem equipadas e bem treinadas. Mas a pergunta é: estas são as Forças Armadas que precisamos?

O dinheiro

A resposta de todos é invariável: estas não são as Forças Armadas que precisamos,
porque não há dinheiro. Ouvimos o mesmo nos hospitais e nas escolas. É um argumento cruel, porque é verdade: a Defesa é uma indústria para ricos. E não vale a pena estar à espera dos 2% do PIB, prometidos por quem manda. Pode acontecer na contabilidade encapotada, mas não na realidade. Simplesmente há outras prioridades políticas. Então o que fazer?

Ó país pobre, sempre à espera, sempre a sacudir as responsabilidades. Gerir não é pagar os ordenados no fim do mês. Gerir é ver e construir um bom futuro. A instituição militar não pode ficar à espera da classe política, tem de construir o futuro pelas suas próprias mãos. Tem de fazer o trabalho de casa, conquistar credibilidade, e depois exigir o que merece e o que precisamos. Havendo pouco dinheiro só há um caminho: menos tropa, melhor tropa.

As Forças Armadas devem construir, e vender ao país, um plano integrado de
modernização, ambicioso mas orçamentalmente exequível, em que se comprometem a
fazer o seu trabalho de casa – reduzir custos – para depois exigir um reequipamento capaz e treino operacional sério. A tropa deve deixar de ter medo de ter menos homens na parada, para concentrar em poucas, mas boas, unidades e acabar com tudo o que “não acrescenta valor”. Por exemplo, o Exército, com os seus 39 quartéis, não precisa muito mais do que as escolas práticas.

O financiamento de parte deste plano deve ser feito com a alienação do extenso
património em excesso, vendido a preços de mercado, de uma só vez, a um fundo estatal, que depois fará a comercialização com tempo. O objetivo é realizar capital suficiente para financiar a justa redução de efetivos e investir na modernização. Podem começar pelo edifício do Estado Maior das Forças Armadas no Restelo, em Lisboa, uma gigantesca falha de segurança, alvo fácil totalmente exposto, que é o símbolo de uma tropa de gabinete, acomodada e burocrática.

Missões

A boa notícia é que, na realidade, não temos precisado das Forças Armadas. A nossa
melhor defesa é a nossa geografia. Aqui no canto da Europa, longe da fronteira leste,
temos um “inimigo histórico”, que é a Espanha, mas felizmente agora a “guerra” é
económica e cultural. A melhor forma de nos defendermos de Espanha é sermos
parceiros na NATO. Check.

Outra ameaça potencial ao território nacional é o Magrebe, mas para já os ataques são de migrantes esfomeados que querem vir para cá trabalhar para pagar o pão que precisam de comer, e não para nos roubar o pão. É um problema que pode escalar, pelo que é preciso estar muito atento, mas para já é residual.

Existem ainda outras missões, mas a mais importante é o controlo e a defesa da ZEE –
Zona Económica Exclusiva, este enorme triângulo oceânico entre o Continente, Açores e
Madeira, que todos os dias é atravessado por centenas, talvez milhares de meios de
transporte de todo o tipo. Ninguém espera que Portugal invada Moscovo e obrigue Putin a acabar com a guerra na Ucrânia, mas todos esperam que sejamos capazes de tomar conta do nosso quintal, que é a ZEE. Se o fizermos bem, teremos assento garantido na NATO.

Ao mesmo tempo, e contrariamente ao que se apregoa, não há necessidade de expandir as nossas forças militares. Pelo contrário, é possível reduzir, para concentrar e aumentar a operacionalidade. Israel é o exemplo de como a qualidade é muito mais importante que a quantidade. Fruto da nossa geografia e da nossa cultura, não necessariamente por causa dos nossos dispositivos de segurança, Portugal é um dos países mais seguros do mundo.

Quando comparam destinos e mercados, os turistas e os investidores estrangeiros
sabem-no bem. Não faz sentido exigir o mesmo nível de investimento militar à Roménia e a Portugal.

Também não devemos embarcar na excitação mediática de um mundo em colapso. As
guerras são boas geradoras de audiências. Há mais insegurança que violência efetiva. Se olharmos para os factos, as estatísticas dizem-nos que o número de vítimas com guerras e terrorismo tem vindo a descer ao longo dos tempos. Em todo o mundo, na atualidade, há mais fatalidades com acidentes de automóvel, do que com conflitos militares (ver Gapmider.org).

Para que precisamos das Forças Armadas?

As perguntas simples costumam ser as melhores. Precisamos da tropa para nos defender do futuro. Hoje as nossas grandes ameaças diretas estão controladas, mas não sabemos como vão evoluir os nossos vizinhos. Será que daqui a 20 anos ainda vai haver Espanha?

O que acontecerá a Marrocos se forem descobertas jazidas de petróleo em larga escala?
E se Espanha conseguir fechar completamente a fronteira, será que a turba de migrantes vai desviar-se para o Algarve?

Precisamos da tropa para participarmos em missões militares NATO e ONU, enquanto
organizações militares defensivas, e através da aliança assegurar a nossa defesa efetiva.
Precisamos da tropa para enviar conselheiros militares a todo o mundo, a começar pelos PALOP. É uma presença de alto nível, bem considerada, não bélica, que tem prestigiado Portugal e os portugueses.

Mas, se quisermos, também precisamos da tropa para ajudar a formar a sociedade civil.
Não é o regresso do Serviço Militar Obrigatório. Os militares não fazem só a guerra.
Desenvolvem técnicas teóricas e práticas de tudo o que a nossa economia precisa:
liderança e capacidade para “agir apesar do medo”; espírito de missão e capacidade de
sacrifício; disciplina e orientação para os resultados; cooperação e camaradagem; etc.

Para termos uma sociedade mais forte – o tema principal desta coluna -, e para valorizar o papel dos militares na sociedade, é importante que as Forças Armadas ministrem uma formação paramilitar (sem armas) para todos os jovens masculinos e femininos de 15/16 anos, numa espécie de “semana de campo”. Não é para ensinar as artes da guerra, é para desenvolver competências essenciais. Para muitos adolescentes, a experiência de acordar às 6h00 para vestir rapidamente um uniforme, fazer a cama e tomar o pequeno-almoço em 30 minutos, pode ser uma lição de vida única. E depois tudo o resto: exercício físico e capacidade de sacrifício; sentido de pertença e aprendizagem dos símbolos nacionais; planear e cumprir uma missão; etc. Se acrescentarmos uma semana sem telemóvel, longe do conforto do lar e do controlo dos pais, então o investimento estará mais do que justificado. E só assim se poderá justificar o dispositivo militar em todo o território nacional.

Não damos valor aos militares, porque somos pobres e mal-agradecidos. Eles juraram
morrer pela pátria. E alguns morreram pela pátria. Vemos as guerras pela televisão e
ficamos impressionados. Mas é apenas uma pequena ideia, do que é viver sob o terror de, a qualquer momento, um drone matar os nossos filhos ou transformar a nossa casa num buraco. Sofrem as vítimas diretas, mas sofrem também todos os outros que vivem
permanentemente sob o medo e a ansiedade. E nem queiram imaginar o terror profundo dos soldados que estão na frente de combate.

Os nossos militares existem para evitar que isto nos aconteça. Numa organização
disciplinada e hierarquizada, só há um responsável: o ministro da Defesa. Em vez de
Olivença, ofereça-lhes uma instituição digna da qual todos nos possamos orgulhar. Não é para armar às forças. É para armar as forças.


Gestor e especialista em criatividade

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