Pela reflexão colectiva sobre o estado da justiça
Os cidadãos percebem a importância do Estado e o que é o Estado, quando necessitam dele. Até haver a necessidade, este organismo que vem sendo construído diariamente de há séculos a esta parte, por todos sem excepção, atravessando vários regimes políticos, passa incólume.
E deverá ser assim? Deve. Não necessitamos, todos os dias, que nos relembrem o quão importante é a nossa organização civilizacional. Não somos a RDA ou a Venezuela, com fotos dos amados líderes espalhadas pelas nossas ruas, obrigando-nos a uma vénia por o Presidente da Câmara manter as ruas limpas.
Passam 50 anos do 25 de Abril. É fundamental pensar o papel do Estado. É um imperativo da democracia e da sua manutenção.
A percepção da nossa sociedade quando o Estado se personifica num tribunal, num juiz, num Magistrado do Ministério Público, é que temos uma justiça lenta e sectária. Quero acreditar que assim não seja, mas os exemplos que temos, não são animadores.
Os casos mediáticos, expõem parte do que se passa na justiça. Mas, para mim, a grande preocupação são os outros: os que não são mediáticos e cujos protagonistas são anónimos, que vivem de uma economia frágil e de poucos recursos.
Quanto tempo aguenta alguém com um processo em tribunal? A lutar pelo que lhe é devido e de direito? Com salário penhorado? Com bens arrestados?
Só há dados até 2022 e, de acordo com eles, o prazo médio de Execuções Cíveis é de 53 meses e de Execuções Laborais de 51 meses.
Como é que o Estado consegue proteger e dar segurança a quem pretende recorrer à justiça, quando apresenta estes números?
Mas mais preocupante do que isso, porque não é estatisticamente mensurável, é o número de pessoas que ouço muitas vezes dizer que não vão “para tribunal” resolver algo porque é caro e moroso.
O acesso ao sistema de justiça não deveria ser universal? Teoricamente é, mas a fórmula de requisição de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e/ou pagamento de compensação a patrono/defensor oficioso, afasta logo qualquer agregado familiar que aufira mais do que o salário mínimo per capita. E, nos casos em que não reúne condições para beneficiar daquela modalidade, o pagamento faseado implica o pagamento da taxa de justiça inicial multiplicado várias vezes, permitindo-se apenas que seja pago em prestações. Ora, estamos a falar de um verdadeiro acesso universal?!
A taxa de justiça existe, entre o mais, com o propósito de resfriar o ímpeto de recurso a tribunal “por tudo e por nada”, mas como o seu valor está directamente dependente do valor da acção, alguém com parcos recursos terá acções condizentes. Mas serão acções menos importantes para a vida desses cidadãos? Muitas vezes, por pouco valor que seja, é muito para quem o tem de pagar. E casos há, em que o está em causa não são os valores monetários; são ações sobre o estado das pessoas.
E o tempo?!
Na Bíblia é referido que ser justo é atender às exigências de Deus e, por isso, só Deus o consegue ser na perfeição. Para um católico, o verdadeiro julgamento é perante S. Pedro. Mas eu não sou crente; a minha crença é no Homem.
Por isso, a minha interpretação de justiça e de ser justo vai no sentido de algo que está conforme o direito, a razão e a sensatez. E que tem que ser feito no tempo terreno; no tempo em que os todos os envolvidos possam refazer as suas vidas: uns porque foram prejudicados e têm que ser ressarcidos da sua perda e outros que têm penas a cumprir perante a sociedade e, no fim do processo, têm o direito a uma vida nova.
Em Portugal a justiça está muito centralizada na figura do Procurador Geral da República. Não acredito que o Procurador centre em si tudo o que seja necessário reformar na justiça, mas é ele que deverá orientar a sua instituição e começar a reforma por dentro. Caso o Senhor Procurador pense que seja necessária uma reforma da justiça!
Amadeu Guerra deveria ter sido ouvido na Assembleia da República, antes de ser indicado para Procurador? Ele e todas as outras pessoas cujo nome deverá ter estado em cima da mesa para assumir o cargo.
Qual o modelo de gestão de Amadeu Guerra?
Qual o peso do Sindicato do Ministério Público na Procuradoria e qual é que deveria ter? Fará sentido continuar a haver este Sindicato?
Estamos a celebrar os 50 anos de Abril e, não sendo eu jurista e limitando-me a observar o mundo que me rodeia, espero ter lançado perguntas que ajudam à reflexão colectiva sobre o estado da justiça.