Partida, largada, fugida

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Há quem diga, com alguma razão, que Portugal é o país dos projetos. Temos talento, criatividade, capacidade técnica e até resultados encorajadores. O que nos falta, demasiadas vezes, é dar seguimento. Passar do piloto à política de continuidade. Do protótipo à prática. Do teste à transformação. 

O ciclo repete-se: lançamos boas ideias, fixamos objetivos, testamos soluções promissoras, criamos sinergias entre setores e, durante algum tempo, parece que tudo vai acontecer. Mas, terminado o financiamento inicial ou chegado o momento de escalar, institucionalizar ou replicar, a energia esgota-se, a ideia esvai-se. E o projeto, que prometia tanto, acaba esquecido e, por vezes, completamente abandonado. 

É caso para evocar uma rima infantil muito antiga: Partida, largada, fugida. Uma descrição quase literal do que tantas vezes se passa com muitos projetos-piloto em Portugal. Começa-se com entusiasmo — há arranque, diagnósticos bem feitos, metas ambiciosas, até alguma cobertura mediática. Só que, após algum tempo, a ideia esmorece, o projeto paralisa, o impacto dilui-se. Foge a responsabilidade de dar continuidade. Foge o compromisso de escalar. Foge a capacidade de transformar uma boa experiência num caminho comum. E isso, além de ineficaz, é profundamente desmobilizador. 

Esta espécie de partida em falso, sem continuidade, sem credibilidade, compromete a adesão. Não se fazem planos para o segundo fôlego e mina-se a confiança nas políticas públicas. Sem um quadro estratégico que garanta que o que funciona pode crescer, sedimentar-se, multiplicar-se, cria-se um sentimento de frustração — tanto em quem lidera os projetos como em quem, do lado das empresas ou dos cidadãos, acredita neles. 

A falsa partida acontece um pouco por todo o lado: da sustentabilidade à economia de proximidade, da transição digital à valorização dos territórios de baixa densidade. São iniciativas com potencial transformador, que servem causas públicas, que respondem a problemas reais — mas que encravam. Mesmo com avaliações positivas, o piloto fica a marinar indefinidamente. Fim do financiamento, fim da história. E projetos que deveriam inspirar políticas tornam-se notas de rodapé, ficando eternamente presos ao estatuto de “experiência bem-sucedida”.  

Podia dar vários exemplos, mas porque estamos no verão deixem-me falar-vos do programa “365 Algarve” que é uma amostra evidente desta lógica. Criado com o objetivo de prolongar a época turística na região do Algarve, reforçou a ligação entre cultura e turismo, com um impacto notável na região, estimulando uma agenda cultural contínua que valorizava a identidade local e dispersava os fluxos turísticos demasiado concentrados nas praias da região. Por outro lado, integrou comunidades do interior e diversificou a oferta turística.  

Eram experiências genuínas, imersivas e representativas do território, que atraíam visitantes e vitaminavam a economia local. Mas, apesar do sucesso e reconhecimento, o programa foi abruptamente encerrado, antes de se transformar numa política de continuidade. Mais uma boa ideia que não perdurou. 

Tudo isto seria apenas uma pena se não fosse também um risco. Porque ao não avançarmos, desperdiçamos recursos e geramos um sentimento de impotência coletiva. O país não pode continuar a brincar aos pilotos, lançando iniciativas apenas para cumprir calendário ou para mostrar que se está a fazer “alguma coisa”. Como é que se evolui se tudo o que é testado com sucesso acaba no arquivo? 

É tempo de romper este ciclo. Precisamos de mais do que testes — precisamos de um compromisso claro com a continuidade, com a massificação do que funciona, com o aproveitamento pleno das soluções testadas. É preciso estratégia, enquadramento legal, apoio técnico e financiamento estruturado. A inovação deve servir um propósito duradouro, ser uma alavanca real de mudança e não apenas um título de jornal ou um relatório de encerramento.  

Secretária-Geral da AHRESP

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