Para salvar a Democracia
Não é o voto popular, em eleições livres e justas, o juiz supremo da verdade e da transparência democráticas? E a liberdade de expressão, não é um instrumento vital e um garante da idoneidade da representação popular? Parece que não.
Na Polónia, onde uma geringonça de centro-esquerda pôs o nacional-conservador Lei e Justiça na oposição, o tribunal administrativo da região de Varsóvia decidiu cancelar a licença de emissão do canal televisivo direitista Wpolsce 24. Para “salvar a Democracia”. De resto, é invariavelmente para salvar a Democracia que o governo Tusk tem recorrido aos salvadores da Democracia do momento: os tribunais. E será também para salvar a Democracia que Tusk, descontente com a liderança da Comissão Nacional dos Media da Polónia (que quer recorrer da decisão do tribunal de silenciamento do canal televisivo), se prepara agora para a substituir.
Trata-se de uma cruzada contra o Mal; e, como é sabido, contra o Mal – contra o “fascismo”, ou seja, contra a popularidade do nacionalismo popular e conservador no mundo euroamericano – tudo é legítimo.
Talvez também por isso a deputada europeia húngara Kinga Koller, do Tisza, o Partido do Respeito e da Liberdade, uma dissidência do Fidez, se tenha regozijado publicamente com o facto de a União Europeia ter retirado alguns biliões de fundos destinados à Hungria, em consequência das políticas pró-família e pró-religião do governo Orbán. Fez a tolerante União Europeia muito bem. A tolerância tem limites e, a bem da democracia e da tolerância, nada como uma fogueirinha de retenção de fundos para os hereges que se recusam a professar o novo credo. Pode ser que assim vejam a luz ao fundo dos “direitos reprodutivos” e percebam que sem arco-íris não há pote de ouro. A nação sofre, é certo, mas a patriota Kinga Koller “está animada” porque vê “um lado positivo na deterioração das condições de vida dos húngaros”, a saber, “a fortificação da oposição” … e uma escada para o poder nas eleições de 2026.
Na Alemanha, depois da CDU-CSU de Friedrich Merz ter fechado o acordo para a coligação com os Verdes e os Sociais Democratas – mediante o abandono de parte da sua política de controle da imigração e da oferta de generosas compensações climáticas – o partido nacional populista, AFD, passou para primeiro lugar nas sondagens, com a expectativa de 25% do voto popular. Há que começar já a tomar algumas medidas preventivas para salvar a Democracia destes delírios populares.
E se assim vai o continente europeu – sob o peso da inflacção, da imigração descontrolada, dos recursos e expedientes institucionais, do crescente fosso ideológico –, para o professor David Betz, um especialista em “guerras civis” do King's College, o Reino Unido também não vai melhor. Tanto que há dois meses, num podcast sobre “The Coming British Civil War”, não hesitou em identificar ali os sintomas “de uma sociedade próxima de um conflito civil violento”. As causas? O multiculturalismo, o radicalismo islâmico, a manipulação da justiça e a perda de fé nas instituições. Tim Stanley, no Telegraph, concorda: “Toda a teoria da conspiração se confirma, e sem uma saída democrática para a cólera – vendo as suas ambições limitadas e sendo demasiado pobres para emigrar – para onde há-de ir a facção militante dos brancos zangados, senão para a violência?”
Parece que, afinal, é o atarefado vale tudo dos donos da Democracia para salvar a Democracia, manipulando as suas instituições, driblando o voto popular, ignorando a realidade e calando o mal-estar social, que está a pôr em causa as instituições e em perigo a Democracia.