No final do Conselho de Ministros de 21 de janeiro, o primeiro-ministro fez uma afirmação preocupante, que passou despercebida no meio do turbilhão noticioso em torno das eleições presidenciais. Disse António Costa, questionado por um jornalista sobre o eventual arrependimento de não ter fechado as escolas mais cedo, que: "Nós adotamos as medidas em função dos dados que existem, não dos dados que existiram nem dos dados que imaginamos que venham a existir.".O primeiro-ministro referiu depois a "incidência reduzida" da estirpe britânica do SARS-CoV-2 na semana anterior, justificando o agravamento das medidas com o "crescimento muito significativo" que esta, entretanto, passara a registar..Destas palavras, só se pode concluir que António Costa foi surpreendido pela evolução do número de casos, o que é estranho. Até porque, como o próprio referiu também, era "consensual" - e, acrescento, facto conhecido há bastante tempo - que a estirpe em causa "tem uma velocidade de transmissão muitíssimo superior"..Fica a sensação de que o governo ouve muitos especialistas, de grande qualidade, mas está a faltar um verdadeiro aconselhamento científico estruturado, através de um sistema transparente e independente que permita sintetizar a informação, as várias opiniões e quantificar as incertezas. É com base neste aconselhamento, associado aos pareceres de entidades como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que os governos têm melhores condições para decidir..O governo não precisa de "imaginar" dados para prevenir o futuro. Já em maio do ano passado, escrevi num outro jornal que o aconselhamento científico é um suporte das democracias, não se substituindo aos decisores políticos, que têm de ponderar outros fatores de ordem ética e económica, mas dando lhes segurança e credibilidade junto das populações..Um político - e agora refiro-me a todos nós, que nos dedicamos a esta atividade que se quer de serviço público - tem de procurar compreender profundamente os temas em que atua. Se não o fizer, não se arrisca apenas a errar mais vezes, mas também, no limite, a perder a confiança daqueles que se propõe liderar..Na noite eleitoral houve extensos debates sobre o "mistério" dos resultados do candidato do Chega! em muitas zonas do interior do país, em particular no Alentejo. Depois, nesta segunda-feira, li aqui no DN um artigo, escrito com base em dados da ferramenta eye data, que tipificava a realidade das comunidades onde este amealhou mais votos: o dobro dos doentes covid por cem mil habitantes face à média nacional, um terço das camas hospitalares disponíveis, metade do pessoal hospitalar, rendimentos médios inferiores, mais criminalidade..O populismo, como os Estados Unidos recentemente nos relembraram, prospera quando as populações se sentem abandonadas ou deixam de acreditar naqueles que as representam. Foi em meios rurais e no chamado rust belt, as antigas cidades industriais do interior da América, zonas esquecidas por sucessivas administrações norte-americanas, que Donald Trump construiu a sua base de apoio. Estes fenómenos contrariam-se dando atenção aos cidadãos e procurando soluções para os seus problemas. Para liderar é preciso saber ouvir.. Eurodeputada