O mundo não mudou significativamente na última semana: nada de imprevisível surgiu (que a gente desse por isso) nos noticiários, o tempo convida às praias e ao esquecimento, enquanto continuam os massacres em Gaza e entre russos e ucranianos as negociações se limitam a volumosas trocas de prisioneiros, que em nada mudam o curso da guerra.Surgiram três livros que recomendo, embora não me sinta capaz hoje, no meio deste êxodo em miniatura que representa uma partida para férias, de falar deles como merecem: um é uma biografia de Herberto Helder, tão cruel e sem piedade como foi a sua genial poesia – não é de leitura amena; outro é um livro de poemas de Pedro Mexia, Cinquenta, cinquenta, que marca na obra deste poeta a abertura de um caminho, que se adivinha novo, mas que nos surpreende por chegar tão bruscamente: é um livro importante na sua obra; e finalmente um novo livro de António Carlos Cortez, que, longe de se desencontrar da poesia, a crava no corpo como ferida sem cura e faz dela meditação alongada sobre a vida, o amor e a morte, como sempre a poesia acaba por fazer, mesmo quando o seu horizonte pretenda apenas olhar de forma inédita e oblíqua para o real quotidiano.Em Mexia o que me surpreende é o olhar com que avalia os seus cinquenta anos: com essa idade eu ainda me sentia no princípio de tudo, confesso humildemente. Tenho por este poeta grande consideração intelectual e pessoal que, pelas andanças e circuitos diferentes das nossas vidas, nunca chegou a amizade. Por isso, posso elogiar à vontade o seu livro. Já de António Carlos Cortez sou amigo. Essa amizade não deveria impedir-me de falar do seu Condor. Se eu não tivesse gostado, seria fácil fazê-lo e ganhar aura de independente. Como gostei, fico na situação difícil de passar por apaniguado ou membro de uma camorra de elogio mútuo. Condor não é mais uma elegia à poesia, encarada como divindade em perda da sua aura. Este livro é um combate corpo a corpo com a poesia, em que o condor continua a olhar de frente para o sol, por sobre todas as nossas misérias e derrotas. A música do poema é feita para fazer ressaltar, como se fosse numa orquestra, a partir da melopeia envolvente das cordas a arrogância feliz dos sopros, e a bateria no coração da sua aceitação da vida. Porque é da aceitação incondicional da vida que se trata.Tal como em Mexia, a angústia dos cinquenta anos acaba por ser uma aceitação, talvez resignada, mas de qualquer modo incondicional, da vida e do “amor fati” a que ela nos obriga, desde que Nietzsche inventou o conceito.E é de um livro de Yvette Centeno, Devagar (excelente poesia de uma excelente poeta), que trago o poema com que quero encerrar esta crónica:PALESTINA(a voz das crianças)Ninguém as acompanha.Partem sozinhasem revoadaas almas tão pequenasdaquelas crianças mortas.Vão todas juntas interpelaro Pai da criação:que mal fizemos nósque tanto te ofendemos?E os outros que nos perseguemquais as suas razões?E onde estão os teus Anjosos luminososque escondes nos Infernos? Profetizam, por obra tua,mas não sabem o quê.Houve um princípio, dizem,terá de haver um fim.Mas esse fimtão longe de nós aindanão se vê. Diplomata e escritor