Os níveis da guerra

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Já estamos há 3, quase 4 anos nesta guerra provocada pela Rússia com a sua invasão à Ucrânia. Normalmente, focamo-nos nos comentários das investidas militares, que é o nível mais óbvio de uma guerra. As tipologias de armamento, as suas capacidades, os impactos destrutivos, um sem número de elementos que pretendem nos fazer compreender mentalmente aquilo que os ucranianos sofrem no terreno.

Porém, há outros níveis numa guerra que nem sempre são mencionados e que talvez tenham um impacto tão ou mais eficaz, sustentando o primeiro. Esses níveis denomino-os por desinformação ou propaganda, provocação e alienação. A desinformação ou propaganda serve para espalhar mentiras, falsas informações, de maneira a criar uma narrativa que, de um lado, tenta justificar a invasão (veja-se o que a Rússia disse para legitimar a invasão à Ucrânia, da mesma forma que Hitler tentou justificar a invasão à Checoslováquia, etc).

Por outro lado, tenta criar uma aura de invencibilidade e terror – veja-se a máquina de propaganda soviética sobre o seu armamento ou o seu poder económico que, com a queda do muro de Berlim, ficou transparente que era tudo obsoleto, medíocre e em completa bancarrota.

O outro nível de guerra é a provocação: ultrapassam-se limites, forçam-se atitudes junto dos opositores, com vista à vitimização e justificação de retaliação. São os casos da invasão de espaço aéreo sem autorização, ou das águas territoriais de outros países, incitando a um ataque ou acção mais pesada por parte dos países afectados.

E, finalmente, mas não menos importante, a alienação: o roubo de artefactos patrimoniais, mais do que troféus de guerra, servem para apagar a memória e a história dos países agredidos ou invadidos. É uma forma de os alienar da sua identidade, tornando-os cativos: mais do que o corpo, possui-se o espírito do país. Sobejamente conhecido foram os roubos do património dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. O espoliar dos artefactos (cerca de 178) do museu de Kherson pelos russos, por exemplo, foi uma forma de dominar a narrativa da história da Ucrânia, tentando justificar a ocupação russa e legitimando-a, como se a história dos dois países fosse uma só. E isto, aliado a anos, até séculos da tal desinformação – e também, ignorância do Ocidente sobre a História do Leste – é a chave para a lavagem cerebral de que muitos são cegamente vítimas, ajudando a legitimar uma invasão. Poucos são os países que conseguem dominar estes quatro níveis de guerra. Nenhum o faz com a eficácia com que a Rússia sempre fez.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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