Os madeirenses não são portugueses de segunda
Escrevo este texto perto das sete da tarde de domingo e as notícias que chegam da ilha da Madeira continuam inquietantes. A esta hora, segundo os dados mais recentes do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (EFFIS), a área ardida está muito perto dos 5000 hectares.
A título comparativo, em todo o território de Portugal continental arderam 8364 hectares em 3672 fogos, de 1 de janeiro a 17 de agosto (por sinal o menor número de ignições e de área ardida da década).
Ainda estão bem presentes na nossa memória imagens semelhantes às que nos chegam da região autónoma, o fumo, o calor, os rostos desesperados das pessoas que querem salvar as suas vidas e as suas casas. São momentos que ultrapassam - ou, pelo menos, deviam - as guerras partidárias.
Mas são também calamidades cuja prevenção e resposta depende muito das políticas públicas decididas.
Não é preciso ser grande especialista para antever a elevada probabilidade de haver fogos, sejam de origem criminosa ou outra, num território com 741 mil hectares de espaços florestais sujeito a temperaturas de mais de 30 graus e ventos fortes.
As medidas de prevenção são essenciais, mas também uma resposta rápida na fase inicial da ignição. Este incêndio, que começou na quarta-feira de manhã no Concelho da Ribeira Brava e se alastrou no dia seguinte ao município vizinho de Câmara de Lobos, encontra-se com três frentes ativas.
Entre quarta-feira e sábado, já com as chamas fora de controlo, os incêndios estavam a ser combatidos por 120 operacionais de todos os corpos de bombeiros da região, apoiados por 43 veículos e um meio aéreo. Foram precisos quatro dias para que o Governo Regional pedisse apoio ao Governo da República, que, segundo foi noticiado, teria oferecido ajuda desde quinta-feira.
Logo na noite de sábado viajou para a Madeira uma equipa de 76 elementos da força conjunta da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, integrando, entre outros, a especialíssima e profissional Força Especial de Bombeiros.
O presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, não gostou das críticas feitas em relação à mobilização dos meios de combate, dizendo que “há um conjunto de abutres políticos que se querem aproveitar destas situações para tirar dividendos”, assim como “treinadores de bancada que nunca estiveram no fogo, não sabem como é que se combate o fogo”.
Perante uma tragédia, um líder devia abster-se de soundbites e procurar focar-se apenas em encontrar respostas em todas as frentes possíveis, incluindo o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia, do qual a Madeira faz parte.
De acordo com a ordem constitucional e a autonomia política e administrativa, a decisão de pedir apoio ao Governo Central, compete sempre aos responsáveis regionais, com base na avaliação feita pelos seus serviços de proteção civil, mas se pensarmos na prática, talvez fosse mais racional - tendo até em conta que podem estar em causa valores fundamentais, como o direito à vida - que a responsabilidade por essa iniciativa pudesse depender mais das estruturas nacionais.
Se os madeirenses, bem como os açorianos, são portugueses de pleno direito, porque não podem contar, em complemento e articulação ao seu, com um sistema nacional, incluindo meios aéreos, sempre que necessário? E por que isso não pode depender só de uma avaliação técnica, sem suscetibilidades políticas?
Em 2016, recorde-se, o “inferno” desceu ao Funchal, resultando em 1666 hectares de área ardida, cerca de 22% do território total do município, e os prejuízos ascenderam aos 61 milhões de euros. Três pessoas morreram, duas ficaram gravemente feridas e houve cerca de mil deslocados.
Aprender com os erros é das mais antigas lições. Albuquerque tem agora outra oportunidade.
Nota: A belíssima capa desta edição é da autoria do nosso designer gráfico Vítor Higgs, que deixa hoje o DN. Desde 2008 que desenha, não só primeiras páginas, mas a maior parte das criativas ilustrações que publicamos. Fica aqui o reconhecimento pelo seu trabalho dedicado, tantas vezes ousado, talentoso, produto de um enorme dom com que poucos nascem.