Os fogos em Portugal não podem ser uma inevitabilidade

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Há um risco claro de os portugueses e os decisores que os representam - cada vez mais citadinos, cada vez mais urbanitas - se habituarem à ideia de que os fogos que flagelam Portugal quase todos os anos são uma inevitabilidade. Que a Natureza é assim mesmo e que temos de aceitar. Talvez seja por isso que ficamos com a ideia, ano após ano, que o grande fator para que uma época de incêndios seja ou não um êxito não é a preparação e os meios destinados ao combate aos fogos, mas sim o clima, que por sua vez afeta o índice de combustibilidade (ou seja, uma medição sobre a facilidade com que um material pode pegar fogo e queimar).

Portugal viveu em 2017 uma das suas horas mais negras no que toca a estes tema, quando os grandes incêndios desse ano causaram a morte de 114 pessoas, algumas delas em situação que poderia ter sido evitado com atuação concertada e treinada das autoridades. O que vimos desde então foi polémicas com contratos de golas antifogo; burocracia típica de uma República das Bananas no que toca à contratação de meios aéreos; ausência em grande medida de um diálogo construtivo com as corporações de bombeiros voluntários; incapacidade de aumentar significativamente os corpos de bombeiros profissionais especializados em fogos florestais. Ah, e o reordenamento do território e o cadastro de terrenos rústicos ainda estarão largamente por concluir.

É neste contexto - e sobretudo devido a este contexto - que o trabalho dos bombeiros e outros operacionais envolvidos no combate aos fogos desta semana deve ser enaltecido por todos. É gente que arrisca a vida por quem não lhes é nada; que não esperam recompensa por isso; que perdem noites de sono e tempo seguro com a família pelos outros; que não desejam e, por isso mesmo, raramente terão o nome nos jornais ou em clips virais das redes sociais. Não busquem heróis só no verde dos campos de futebol; encontrem-nos na terra queimada de Arouca e Ponte da Barca; no negro das árvores calcinadas em Gondomar e Penafiel.

Daqui a uns meses teremos um novo relatório - com conclusões semelhantes ao relatório de outros anos - a apontar que mais de 80% dos fogos têm origem criminosa, com exóticos “acendimentos” durante a madrugada. Vamos novamente falar da pirotecnia nas festas populares destes meses. Vamos encontrar novas provas em como o Siresp não funcionou corretamente (isto num país como Portugal, que fornece material de comunicações de topo à Ucrânia para combater os russos). Daria para rir se não fosse sério. Até ao próximo ano.

O que não veremos é a discussão de um plano concertado, politicamente ancorado em todas as forças políticas, suportado por autarquias relevantes para a resolução do problema e respaldados pela máquina do Estado, aquela que conta e que age independentemente dos governos que passam. Bem conversado com toda a gente, incluindo fora de portas, o equipamento destinado a evitar (ou pelo menos que ajude a sério a evitar os fogos florestais em Portugal) ainda poderá contar para os 5% do PIB gastos em Defesa com que nos comprometemos com a NATO. Ou então não o gastemos aí...

Claro que as populações das regiões que nos meses de verão ardem como fósforos - que perdem propriedade, bens e desgraçadamente, por vezes bem mais… - têm todo o direito a exigir que as autoridades tratem este problema como se quisessem acabar com ele, não apenas lidar com ele até ao próximo ano ou ao próximo ocupante do Ministério da Administração Interna. Podem ser menos cosmopolitas, menos urbanitas e menos citadinos, mas têm exatamente os mesmos direitos. E o mesmo voto.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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