Os estrangulamentos nacionais e o rigor 

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A atitude deste governo tem sido de pragmatismo na tentativa da resolução de alguns velhos estrangulamentos que atormentam a sociedade portuguesa.  

São estrangulamentos resultantes da força de lobbies, de práticas políticas afastadas do interesse nacional, de defesa de sectores protegidos por uma ou outra entidade partidária.  

Os sindicatos servem para proteger e defender os direitos dos trabalhadores. É essa sua função e o direito à greve é sagrado. Num regime democrático não deve, nunca, ser posto em causa. 

Contudo, a actual lei da greve não leva em linha de conta os problemas de uma sociedade que está com graves tensões sociais, em áreas como a saúde, a educação, os transportes. Alargar os serviços mínimos no exercício de uma greve como o governo pretende não tem, apenas, toda a lógica como promove uma defesa de sectores fragilizados da população que, perante uma greve, ficam desprotegidos. Como é possível impedir um trabalhador de chegar ao seu local de trabalho, pondo em risco o seu salário ou mesmo o seu posto de trabalho porque a greve, marcada, cirurgicamente, para o inicio da manhã, o deixou sem a travessia do Tejo ou o comboio que o transporta da periferia para o centro da cidade. Será que os dirigentes sindicais, quase todos profissionalizados, não veem a violência e o prejuízo que causam à população trabalhadora e ao país. 

E na saúde? No estado em que está o sector com serviços em colapso, fortemente pressionados com um crescimento de 321% de estrangeiros inscritos no SNS correspondentes a mais 785.894 cidadãos de diferentes nacionalidades. Como é possível manter os serviços mínimos como existem, actualmente, num contexto como este. 

E na Educação os sindicatos respectivos não pensam nos prejuízos educacionais que provocam aos alunos e no atraso das matérias que têm de ser ministradas e passam a estar comprometidas por greves de grande dimensão. Sendo que este é um sector também, fortemente, pressionado com um crescimento de mais 130.150 alunos estrangeiros num valor percentual de 309%. 

Se um país não sobrevive se não tiver uma agenda de modernização, o rigor é, igualmente, fundamental para um desenvolvimento sustentado da sua economia e do equilíbrio da sua função social. 

O rigor e a exigência são factores que deveriam começar no próprio cidadão. Vivi quatro anos num país onde os primeiros agentes do rigor são os próprios cidadãos. Na Áustria o cumprimentos da lei, o respeito pelas regras, as atitudes cívicas começam nos cidadãos. Depois o Estado ajuda a organizar, fiscaliza, moderniza, fornece os equipamentos, escolhe o capital humano, recruta funcionários. Mas é no cidadão que começa o rigor e a decência dos actos que pratica. 

Tudo isto vem a propósito dos abusos verificados nas dispensas de trabalho de mães que têm de amamentar os seus bebés. É um direito que não deve ser posto em causa em nome de um equilíbrio demográfico que Portugal não tem. O país necessita de sangue novo  e todas as medidas que contribuam para o aumento da população jovem são bem vindas. Contudo, os apoios sociais devem ser geridos com rigor.  

Manuel Lemos , presidente das Misericórdias trouxe-nos números sobre abusos verificados nas dispensas para amamentação. Não são muitos. Há 43 casos de abuso onde, em 25, as mães estão a amamentar as crianças já nos 2º, 3º e 4º ano de vida, e destas 25, há dez mulheres que estão a amamentar crianças já com três e quatro anos. Portanto há abusos e o governo, em nome do rigor, deve intervir, fiscalizar.  

Não é concebível que uma mãe esteja a amamentar uma criança com quatro anos de idade. Mas, em nome desse rigor com que deve ser construído um país, nem que apenas existisse um caso de abuso o governo deve intervir  e penalizar quem abusa dos apoios sociais que recebe. 

Há, infelizmente, um ror de casos onde existe abuso de apoios sociais que o Estado fornece aos cidadão. Famílias que recebem as reformas de cidadãos que já faleceram, falsas doenças “justificadas” com atestados médicos de duvidosa proveniência. Cidadãos com rendimento mínimo garantido sem direito a ele ou portugueses que recebem o subsídio de desemprego, estando a trabalhar noutros actividades sem fazerem os respectivos descontos. 

Tudo isto são práticas abusivas que o governo deve fiscalizar. O rigor deve começar em cada um dos cidadãos, mas como isso parece ser difícil no paradigma cultural português, então as instituições que façam o seu trabalho e fiscalizem. O Estado somos todos nós e em cada um de nós deve nascer o rigor e a exigência como elementos desse mesmo Estado. É o dinheiro dos nossos impostos, milhões de euros que  são, indevidamente, entregues a quem, eventualmente, pode não ter direito a eles. Os portugueses têm de perceber que eles próprios são parte integrante do Estado. Não o devem olhar como uma entidade distante, para a qual apenas têm direitos e não deveres. 

Resolver estrangulamentos nacionais e exigir rigor aos cidadãos também é uma componente de governação. Apenas por demagogia ou por agendas partidárias afastadas dos interesses do país se pode estar contra essa prática de um qualquer governo, seja ele de que cor política for. 

Jornalista

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