Em finais da década de 70 do século passado estive na Fundação Getúlio Vargas, no Brasil, com um conhecido professor de Economia brasileiro, tendo tido a oportunidade de com ele debater o futuro político, económico e social que estava reservado ao Brasil.Na altura, acreditava ser possível evoluir-se naquele país da ditadura militar para um regime democrático de tipo ocidental e, até, porventura, para um sistema de matriz social-democrata. O meu interlocutor discordava, considerando que os antagonismos sociais existentes e o subdesenvolvimento relativo da economia brasileira eram de tal ordem que a evolução seria, um dia, para um modelo de “socialismo colectivista”.Já nessa oportunidade eu argumentava com o modelo de Ranis e Fei para procurar explicar que tinha a razão do meu lado.Ranis e Fei, num artigo intitulado “The Theory of Economic Development”, publicado em 1961 na American Economic Review, consideravam que os processos de transição das economias, em termos de grau de desenvolvimento económico, percorriam três fases distintas, a saber, a do “big push”, em que começava a emergir um sector moderno já com alguma consistência (e em que se atingia o “esforço mínimo crítico”), a do “shortage point” e a do “commercialization point”.Com a primeira fase, iniciava-se o processo de transferência de mão-de-obra do sector tradicional para o sector moderno, sendo os lucros acumulados neste último superiores aos acumulados no sector tradicional, o que possibilitava que ocorresse uma expansão das unidades industriais, permitindo a continuidade do sobredito processo de transferência de mão-de-obra.Com o desenvolvimento do processo de transferência do factor produtivo trabalho para o referido sector moderno, o excedente do sector tradicional “per capita” de trabalhador do sector industrial tenderia a diminuir, o que levaria a aumentos dos preços agrícolas e a reivindicações laborais no sector moderno, designadamente, nas zonas de concentração urbana. Os salários no sector moderno tenderiam a aumentar e começava, entretanto, a emergir uma classe média.A transformação do sector moderno em sector já competitivo, pelo menos em algumas áreas, à escala internacional e a emergência de uma classe média forte levavam a uma fase de “shortage point” transformadora da estrutura económica do país em causa.Com uma classe média forte, seria sempre difícil a imposição de um modelo colectivista auto-designado de “democracia popular”.E, claro está, um dia, mais tarde, poderia caminhar-se para a fase de “commercialization point”, na qual se generalizava o desenvolvimento a todos os sectores, como havia acontecido ou estava a acontecer, por exemplo, na Europa.Ora, o Brasil já tinha atingido o “shortage point” nos anos 70 do século passado, já dispunha de um mercado endógeno com alguma relevância e de uma classe média forte, pelo que, em meu entender, não havia condições objectivas para a evolução no sentido de uma economia colectivista radical.Aliás – expliquei eu ao meu interlocutor – Cunhal cometeu o mesmo erro, ao chegar a Portugal, em 1974, subindo para cima de um chaimite, acompanhado de militares, pensando que estava a recriar a revolução de Outubro de 1917.É que, em Portugal, atingiu-se o “shortage point” nos anos 60, já existindo, na oportunidade, uma classe média forte na grande Lisboa e no grande Porto (e uma pequena burguesia disseminada por muitas capitais de distrito), bem como um mercado endógeno significativo.Por vezes, afigura-se positivo conhecer um pouco de Teoria Económica.E, para analisarmos a evolução de uma economia em transição, inclusive numa perspectiva político-social, apresenta-se importante ter em conta as contribuições analíticas de autores como Ranis e Fei.Nem mais, nem menos…Economista e professor universitário. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico