Os desafios das tecnologias: medicamentos e dispositivos médicos

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Diversidade e evolução

São diversas as tecnologias da saúde. As mais referidas são os medicamentos e os dispositivos médicos, onde estão incluídos desde uma máscara ou luvas cirúrgicas, o bisturi, até aos grandes equipamentos de imagiologia como os raio-X, a tomografia computorizada (TAC), a ressonância magnética nuclear (RMN)) e os sofisticados aparelhos que executam múltiplas análises clínicas simultaneamente. Uma das características que as distingue de outras áreas é que, em grande parte, no momento da inovação não se efetua a substituição da antiga tecnologia, que, em muitas circunstâncias, continua a ser utilizada e com utilidade. O raio-X continua a ser utilizado como primeira linha, não sendo substituído por outras tecnologias mais modernas, como a TAC. Medicamentos com mais de 30 anos continuam a ser utilizados na maioria da população com efetividade, mesmo havendo outros mais modernos e inovadores nalguns aspetos.

O que se passa na atualidade

As tecnologias da saúde tiveram nos últimos anos um importante papel no desenvolvimento dos sistemas de saúde, contribuindo para um melhor e mais rápido diagnóstico, prognóstico e tratamento de numerosas patologias, nomeadamente na área cardiovascular, na diabetes, em oncologia. Por outro lado, a utilização intensiva destas tecnologias terá contribuído para o aumento das despesas em saúde. Ocupam o segundo lugar, a seguir às despesas com pessoal.

Nos últimos 50 anos, desenvolveu-se uma florescente indústria, com grande investimento em investigação e desenvolvimento e também elevada capacidade de comunicação das suas descobertas, pressionando a população e decisores políticos de forma eficaz.

As mudanças nos sistemas de saúde, nomeadamente as relacionadas com a demografia e o envelhecimento da população, induzem ao aumento do consumo. No entanto, em muitas situações o aumento desse consumo podia ser evitado através do desenvolvimento de programas de prevenção e promoção da saúde, cujos resultados evitariam não só o aparecimento de muitas patologias associadas a hábitos incorretos, como a sua deteção precoce e em fase em que a sua cura é possível. Os numerosos estudos publicados sobre a diminuição da incidência de algumas doenças oncológicas associadas ao tabagismo e de patologias associadas à obesidade são dois exemplos que o comprovam.

Cinco propostas para a utilização com efetividade das tecnologias da saúde

1. A questão fundamental relaciona-se com a capacidade de organização dos sistemas de saúde de forma a poderem avaliar a efetividade das novas tecnologias. A nível dos medicamentos, nos últimos 20 anos deram-se importantes passos na avaliação das tecnologias da saúde (ATS). Apesar de alguns atrasos inexplicáveis nas decisões, globalmente, os doentes portugueses estão a nível europeu no acesso aos medicamentos inovadores. No que se refere aos dispositivos médicos, como os equipamentos de imagiologia, de cardiologia e de análises, devemos também introduzir novos critérios e normas de avaliação económica específicas, adaptados à natureza destas tecnologias. A Agência Europeia do Medicamento (EMA), juntamente com a Rede Europeia para a Avaliação das Tecnologias de Saúde (EUnetHTA), desenvolveram nos últimos anos intensa colaboração. Durante a presidência portuguesa, em 2021, foram aprovadas diversas medidas visando a melhor coordenação da ATS de medicamentos e dispositivos médicos.

2. Para além das metodologias de avaliação económica, é importante a intervenção pública na gestão nacional e regional da utilização destas tecnologias, através de um registo atualizado dos equipamentos nacionais existentes. Tema tão falado e pouco praticado ao longo dos anos. A utilização desses equipamentos não pode ser deixada ao livre-arbítrio de um mercado que, neste domínio, funciona com reconhecidas limitações. A sustentabilidade económica e social dos sistemas de saúde dependerá do uso mais efetivo das tecnologias com escolhas bem fundamentadas, evitando-se a duplicação com desperdício em equipamentos importados de preço elevado e utilidade discutível.

3. No caso dos medicamentos, cerca de 80% dos utilizados são medicamentos essenciais com vários anos no mercado e que constituem cerca de 20% da despesa. Os restantes 20% correspondem a medicamentos inovadores mais recentes, que constituem 80% da despesa. Quando as leis do mercado falham em saúde, é necessária uma forte intervenção dos poderes públicos, para que os medicamentos essenciais se mantenham no mercado, dando-lhes mais valor. O que aconteceu com a falta de dexametasona e outros medicamentos essenciais durante a pandemia foi um alerta. O medicamento usado em diversos esquemas terapêuticos em oncologia e nalguns doentes com covid-19 tinha sido descontinuado. Foram abandonados pela indústria farmacêutica centenas de medicamentos ainda úteis, invocando a sua inviabilidade económica, consequente do esmagamento de preços.

4. A governação das tecnologias da saúde, no que se refere aos preços e seu financiamento, deve ser baseada em informação científica, de acesso público, com critérios de avaliação transparentes e auditáveis, que permitam que as decisões sejam aceites com base na melhor evidência disponível, e não na força da pressão dos fornecedores. Não são aceitáveis contratos públicos com preços secretos, como acontece em muitos países e como aconteceu com a compra das vacinas para a covid-19.

5. O investimento na investigação científica na área das tecnologias da saúde, em que Portugal tem atividade industrial exportadora relevante, associado ao reforço financeiro e científico das autoridades reguladoras, como o Infarmed, são ações fundamentais para a sustentabilidade do SNS.
Para que as tecnologias tragam benefícios aos doentes e sistemas de saúde, têm de ser adequadamente avaliadas, pelo que o investimento público na formação e utilização de peritos nesta área é fundamental.

Ex-presidente do Infarmed e ex-bastonário da Ordem dos Farmacêuticos.

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