Os cães ladram e a caravana passa

Resolver os problemas das pessoas, passo a passo, é a melhor arma contra o populismo. Depois, venham os insultos, as interrupções, os ataques no parlamento. Num governo minoritário, a prova de vida não se faz com anúncios ou palavras, mas com ações e resultados.
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Na véspera de se completar o prazo de 60 dias indicado por Luís Montenegro como meta para apresentar um conjunto de medidas em áreas que definiu como prioritárias, é difícil não reconhecer que há no ar um aroma de espírito reformista. Não é certo ainda, mas a avaliar pelos compromissos assumidos e cumpridos - mesmo descontando o facto de estarmos em campanha eleitoral - é bem possível que esse seja um bom prenúncio.

Hoje, 59 dias desde a tomada de posse do Governo, foram apresentados planos para áreas complexas como a dos impostos (IRS), a da Habitação, a da Juventude e, na passada quarta-feira, o Plano de Emergência para a Saúde.

Com pouco mais de um mês de funções, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, conseguiu um acordo com sete das 12 estruturas sindicais dos professores sobre a recuperação dos anos de serviço, há 20 anos reivindicada.

Da área da Justiça, segundo avançou a ministra Rita Júdice, o “pacote anticorrupção” está numa “reta finalíssima”, admitindo que pode ser aprovado no Conselho de Ministros do próximo dia três de junho, na segunda-feira. No discurso de tomada de posse, a dois de abril, Luís Montenegro prometera “no prazo de dois meses ter uma síntese de propostas, medidas e iniciativas que seja possível acordar e consensualizar, depois de devidamente testada a sua consistência, credibilidade e exequibilidade”.

Um mês depois, a três de Abril, no primeiro Conselho de Ministros, a ministra da Justiça foi mandatada para falar com todos os partidos com assento parlamentar, agentes do setor e sociedade civil com vista à elaboração de um pacote de medidas contra a corrupção.

Nesse mesmo dia três de junho, outra mulher do Governo vai estar pressionada para dar uma boa notícia ao primeiro-ministro: na Administração Interna, Margarida Blasco reúne com o sindicatos da PSP e as associações da GNR para a que se espera ser a última ronda de negociações sobre o aumento do subsídio de risco. A distância é grande entre a proposta de Blasco (somar 180 euros à componente fixa de 100 euros , mantendo mais os 20% do salário da componente variável) e a da Plataforma Sindical (adicionar 300 euros à componente fixa e aumentar mais 312 nos próximos dois anos). 

Ou seja, os sindicatos dos polícias reivindicam um aumento de 612 euros nos seus salários, ficando com um subsídio de risco de mais de 700 euros. Para já, não foi proposta a eliminação de nenhum dos vários suplementos que auferem. 

Na tomada de posse do novo diretor nacional da PSP, Luís Montenegro assegurou que o Governo pretendia dar “boa sequência” às negociações com as forças de segurança, mas advertiu contra “cenários irrealistas”, como é o da equiparação ao suplemento de missão da Polícia Judiciária (os inspetores recebiam 478 euros e somaram mais 548, totalizando 1026 euros a juntar ao respetivo salário). O primeiro-ministro logo lembrou que “são centenas de milhares de prestadores de serviço público, em varias áreas, que se encontram na mesma circunstância”, avisando que “qualquer alteração provoca uma mexida muito substancial nas nossas contas e na nossa gestão orçamental”. 

Na verdade, admitindo que Margarida Blasco tenha folga para subir aos 250 / 300 euros, para salários médios na casa dos 1200 euros dos agentes e guardas, que são a maior fatia da PSP e GNR, representa um aumento de 25%. Possivelmente, o acordo, tal como aconteceu na Educação, não terá a assinaturas de todos os sindicatos, mas neste caso, bastará que os mais representativos o façam.

Por muito ruidosos que possam ser em eventuais protestos dos tais “movimentos inorgânicos”, serão sempre uma minoria. Além de que, o novo diretor nacional já deu sinais de que a sua tolerância com farsas de doenças e desvios à legalidade vai ser zero.

Resta ainda o Plano de Ação para as Migrações, nas mãos do ministro da Presidência,  Leitão Amaro, que estará por dias também. “Tem de ser regulada, atrativa para profissionais qualificados, proativa com os jovens estudantes e capaz de reunir famílias, melhorando a sua integração na nossa comunidade”, garantiu Montenegro. “Queremos um país humanista e acolhedor, que não está nem de portas fechadas, nem de portas escancaradas”, disse.

O como e em que condições está por saber, sendo que qualquer “plano” que não imponha um travão nas entradas ilegais que enchem os bolsos das redes criminosas, será inútil. A legislação terá de ser mudada no que respeita às tais “portas escancaradas”, com são os artigos que permitem a regularização em território nacional, independentemente da entrada ilegal.

Claro que é preciso dar tempo ao tempo para se ter noção do impacto destas decisões na vida de todos nós, mas para os portugueses, para variar, a sensação de um governo começar logo a cumprir promessas e não deixar arrastar os problemas - principalmente os que alimentam os extremismos, como é a imigração - cria confiança nas instituições e no sistema político.

Para isso, é preciso que o segundo maior partido assuma as suas responsabilidades e coloque os interesses do país acima da sua agenda política - principalmente a do seu líder Pedro Nuno Santos, ainda um pouco ziguezagueante e colocado entre a espada e a parede por Marcelo Rebelo de Sousa.

Resolver os problemas das pessoas, passo a passo, é a melhor arma contra o populismo. Depois, venham os insultos, as interrupções, os ataques no parlamento. Porque vai valer o ditado: os cães ladram e a caravana passa. Num governo minoritário, a prova de vida não se faz com anúncios ou palavras, mas com ações e resultados.

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