O jornalismo enfrenta hoje uma crise profunda que dificulta a sua missão de informar com independência e de escrutinar os diferentes poderes. Em Portugal, contam-se pelos dedos de uma mão os grupos de média com resultados positivos, e este panorama é semelhante em todo o mundo ocidental.Não faltam “especialistas” que explicam este estado de coisas com erros alegadamente cometidos pelos jornalistas, com uma suposta submissão ao poder político e económico que terá feito com que as pessoas deixassem de comprar ou assinar jornais, em papel ou no digital. São os novos “bárbaros” que estão à nossa porta, aproveitando-se de um momento de fragilidade do setor.Contra o jornalismo dito “situacionista”, erguem-se alguns jornalistas “independentes” que atacam invariavelmente os mesmos alvos e que, estranhamente, não revelam as suas fontes de financiamento. Somam-se a estes alguns podcasters e outros influenciadores patrocinados por grupos económicos, que procuram sobretudo desacreditar a classe política e os média tradicionais, e, claro, uma vasta corte que, nas redes sociais, prega contra o jornalismo dito “do sistema” e espalha teorias da conspiração e ideias anticientíficas. Têm tudo para singrar, num país onde, segundo um estudo divulgado há dias, quase metade dos adultos apenas consegue ler textos curtos.Dito isto, muitas das críticas que são feitas ao jornalismo mainstream têm fundamento. O jornalismo não tem sido isento de falhas, que vão da negligência à húbris, passando também por situações de pura desonestidade e de enviesamento ideológico. As críticas devem servir de ponto de partida para uma auto-reflexão que conduza a um melhor jornalismo. Porém, estas falhas já existiam há 30 ou 40 anos, no tempo em que o setor era, em alguns casos, altamente lucrativo. O que mudou nas últimas décadas para que o setor entrasse em crise profunda? A resposta é simples: com o advento da internet, o modelo de negócio tradicional morreu. O jornalismo que temos hoje, seja bom ou mau, é aquele que o atual modelo de negócio, deficitário na maior parte dos casos, consegue pagar.A internet mudou os hábitos de consumo de informação, o que por sua vez conduziu a menos receitas publicitárias. Refira-se que, mesmo nos tempos áureos da imprensa, as vendas em banca e as assinaturas nunca foram as principais fontes de receita dos jornais e revistas. A maior parte das receitas sempre veio da publicidade. Poder-se-ia pensar, face aos milhões de leitores que os jornais têm nos seus sites e redes sociais, que a queda das receitas de publicidade no papel seria compensada pela digital. Contudo, não é isso que acontece, porque os preços da publicidade digital continuam a ser inferiores aos do papel e porque as big tech ficam com a maior parte do bolo.Por outro lado - e isto é algo que muitos jornalistas têm dificuldade em aceitar -, na era pré-internet, as notícias e outras prosas nunca foram a única razão para as pessoas comprarem jornais. Em muitos casos, não o eram, de todo. As pessoas procuravam os anúncios classificados, os passatempos, a necrologia e até os horóscopos. Os jornais davam-lhes a informação e os conteúdos de que precisavam para fazerem a sua vida.A internet acabou com tudo isso e não há modelo de negócio que resista. Jornais como o The New York Times perceberam esta realidade, abandonaram a fixação com as assinaturas digitais e estão a recuperar esse antigo modelo de negócio da velha imprensa, adaptando-o à era da internet. Hoje, quase dois terços do tráfego online do The New York Times está nas secções de jogos, nas palavras cruzadas e nas receitas de cozinha. As assinaturas crescem, sim, mas é nessa lógica de uma oferta multifacetada, que não inclui apenas jornalismo.Perante este estado de coisas, há que desafiar ideias feitas e encontrar formas de chegar a novos públicos. É preciso reinventar o nosso modelo de negócio e tirar proveito de todo o potencial da tecnologia, mas sem nunca esquecer quem somos, porque existimos e qual a nossa missão, que é informar com independência e escrutinar os diferentes poderes, cumprindo assim uma missão que é essencial para a democracia. Esta é, de resto, a melhor resposta possível aos novos “bárbaros” e aos agentes do caos e do obscurantismo: procurar fazer bom jornalismo.Diretor do Diário de Notícias