Opinião pessoal (LXII)

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Como se sabe, os sucessivos Governos de Salazar e de Caetano tinham como marca comum a autocracia traduzida pela ausência de liberdades essenciais. Era a época do partido único, da repressão, da censura e da perseguição aos democratas.

Em 1974, depois de Proclamada a Liberdade, todos reconheciam que era preciso prevenir a repetição daquele tempo. Era absolutamente inimaginável que voltasse a acontecer. Nunca mais.

Ora, como a Constituição da República foi aprovada dois anos depois da queda do regime, compreende-se que os deputados à Constituinte tenham adotado mecanismos preventivos que foram explicitamente afirmados no articulado constitucional.

Foi neste âmbito que foram aprovados amplos direitos, liberdades e garantias pessoais, aliás com aceitação social indiscutível. Sublinho, que foram medidas compreensíveis em 1976, mas, hoje, inaceitáveis, sobretudo porque impedem a concretização de operações de Saúde Pública que visam controlar a propagação de doenças transmissíveis. Refiro-me à imposição de quarentena, cerca sanitária, impedimento de circular em espaços públicos ou de internamento hospitalar obrigatório.

Preciso.

O n.º 2, do artigo 27.º da Constituição estipula que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade”. Mas, a alínea h), do n.º 3, do mesmo artigo, determina como exceção a este princípio o “internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.

Por outras palavras, à luz da Constituição é possível internar um doente do foro psiquiátrico, mesmo contra a sua própria vontade, mas, pelo contrário, um doente com uma doença transmissível grave apenas poderá ser tratado se assim quiser.

A título de exemplo, realço que uma pessoa infetada com tuberculose ativa multirresistente aos medicamentos, só será hospitalizada com o seu consentimento prévio. Voluntariamente. Até pode utilizar transportes públicos como o metropolitano sem qualquer proteção e, portanto, colocar em risco outros passageiros, sobretudo quando as carruagens estão repletas de gente nas horas de ponta.

Será que esta situação anacrónica não merece ser corrigida?

Visto que a Constituição só poderá ser revista pelos deputados da Assembleia da República são eles que terão de desfazer, rapidamente, este contrassenso, porque outra pandemia poderá surgir, sendo certo que a prevenção do contágio da infeção poderá necessitar de ações de quarentena e internamento imposto.

ALERTA: a minha imagem é abusivamente utilizada em anúncios de venda de medicamentos pela internet. Saliento que são fraudes e que já apresentei queixa às autoridades competentes.

Ex-diretor-geral da Saúde

franciscogeorge@icloud.com

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