Um certo dia, em 1973, eu e um colega da faculdade, fizemos uma visita a um conhecido alfarrabista na Rua do Alecrim, ao Chiado. Passados alguns minutos, o gerente apercebeu-se de que nós éramos médicos, porque estávamos a folhear uma velha farmacopeia e a fazer comentários de índole técnica sobre o respetivo conteúdo. Por isso, fomos interrompidos, por ele, nos termos seguintes:- Pelos vistos são médicos. Certo?- Sim. Somos internos do Hospital de Santa Marta.- Olhem, tenho guardada uma 1.ª edição do Tratado da Conservação da Saúde dos Povos, que Ribeiro Sanches escreveu em 1756. Estão interessados?- Claro, respondemos nós, surpreendidos pela desfaçatez do gerente.Já com o livro na minha mão, confirmei a minha decisão de o comprar.Li o Tratado com elevada curiosidade e de uma assentada, apesar da imensa dificuldade originada pelo tipo de letra da impressão da época. A leitura parecia interminável, tal era a complicação para descodificar cada palavra e o sentido da frase. A pontuação e ortografia, na altura, não tinham as regras que hoje conhecemos. Mas, logo percebi que Ribeiro Sanches ao escrever e publicar o seu pensamento, estava a criar, pela primeira vez, uma visão abrangente, inovadora, sobre a promoção da Saúde e a prevenção das doenças. Absolutamente brilhante, atendendo ao ano correspondente à publicação do Tratado: 1756. Portanto, muito antes das fantásticas descobertas do século XIX por Virchow, Pasteur e Robert Koch; antes da energia elétrica; antes das comunicações; antes dos caminhos de ferro e da ligeireza de mobilidade de hoje...O Tratado de Ribeiro Sanches é, assim, uma admirável antecipação em relação às descobertas científicas que aconteceram mais de 100 anos depois. Surpreende.Desde então, pensei que era necessário divulgar a obra. Para tal, a prosa teria de ser, primeiramente, transposta para a ortografia atual. Ideia que nunca abandonei.Reparemos que António Nunes Ribeiro Sanches nascera em Penamacor, em 1699. Terminou o curso de Medicina em Salamanca e exerceu em Benavente a partir de 1724. Dois anos depois, por denúncias de práticas de judaísmo, fugiu à Inquisição. Nunca mais voltou. Percorreu os principais centros europeus. Na Corte Imperial da Rússia, foi médico da czarina Catarina, A Grande. A partir de 1747 passou a residir em Paris, onde morreu em 1783. Entre muitas obras que publicou, o Tratado, que escreveu em português, foi aí editado, em 1756.Passaram 300 anos sobre o início da atividade médica do sábio português. Motivo que levou a Sociedade Portuguesa de Saúde Pública a promover a divulgação do Tratado da Conservação da Saúde dos Povos em reedição da Almedina, agora disponível nas livrarias. Ex-diretor-geral da Saúdefranciscogeorge@icloud.com