A esquerda na Europa precisa de mudar de rumo político
Os analistas políticos disseram-nos que o brexit não poderia acontecer e que Donald Trump não conseguiria ganhar a nomeação republicana. Alguns deles têm vindo a contar-nos outra história: a de que os partidos de centro-esquerda só podem ganhar as eleições a partir do centro; em particular, que Jeremy Corbyn, o líder do Partido Trabalhista do Reino Unido, não pode vir a ser primeiro-ministro.
Será esta afirmação verdadeira? Muitos especialistas, incluindo eu, tiveram os seus anos de formação a partir da década de 1980. Os partidos de centro-esquerda bem-sucedidos definiram o seu papel durante esse período não com a apresentação de uma alternativa ao capitalismo global baseado na transação, mas sim oferecendo-se para redistribuir os despojos. Os seus líderes - Bill Clinton nos EUA, Tony Blair no Reino Unido, Gerhard Schröder na Alemanha entre outros - foram essencialmente centristas.
No entanto, aquilo que funcionou nesse período não é uma verdade universal. Por exemplo, na década de 1920 e 1930 na Alemanha, o governo dos social-democratas, moderados e a favor da ordem estabelecida, falhou terrivelmente. O principal paralelo entre a atualidade e a década de 1930 é a maneira como as democracias reagem a períodos prolongados de austeridade. Os partidos extremistas ganham se os partidos tradicionais não oferecem alternativas.
Numa história que deve ser um aviso para partidos de centro-esquerda, o SPD na República de Weimar viu a sua percentagem de votos cair de 37,9% em 1919 para 18,3% em março de 1933, as últimas eleições livres. Durante esse período, o partido tornou-se cada vez mais centrista, acabando por apoiar políticas económicas deflacionistas. Foi uma decisão catastrófica, porque levou os eleitores para os partidos nazi e comunista.
Vários partidos social-democratas e socialistas na UE têm apoiado as políticas de austeridade desde a crise financeira e estão agora a pagar o preço político. Os Democratas nos EUA, O Partido Trabalhista no Reino Unido e o SPD alemão estavam entre os mais entusiasmados com a desregulamentação dos mercados financeiros. O SPD, além disso, endossou o pacto de estabilidade da zona euro na década de 1990, e a regra constitucional de equilíbrio orçamental na Alemanha, que tem estado em vigor desde 2011. A incapacidade do partido de aprender com a sua própria história é assustadora. Embora o SPD proclame da boca para fora que apoia um maior investimento em infraestruturas, não o pode concretizar por causa do seu compromisso com um orçamento equilibrado.
Não me surpreende que o centro-esquerda na Alemanha e no Reino Unido estejam com sérias dificuldades em ganhar eleições. Não sabemos se o Sr. Corbyn conseguirá ter sucesso. O que sabemos é que os seus predecessores mais moderados não o conseguiram, pelo menos desde o início da crise financeira. Esta foi um dos maiores acontecimentos económicos do nosso tempo. Ela também redefiniu a política.
Onde é que isto nos leva? De um ponto de vista económico, não há nada de radical na defesa de grandes programas de investimento, especialmente depois de anos de consolidação orçamental. No entanto, o único partido político tradicional que oferece esta opção na Europa é o do Sr. Corbyn, que está a prometer 500 mil milhões de libras. Na Alemanha, apenas o Partido da Esquerda, descendente dos comunistas da Alemanha de Leste, apoia grandes aumentos no investimento. No continente é preciso ir até aos extremos do espetro político para encontrar alguém que aprove um estímulo de investimento.
Assim, quando um partido tradicional, como o Trabalhista, propõe uma mudança de políticas macroeconómicas que têm hipótese de acabar com a nossa depressão pós-crise, ele deve ser levado a sério. Se os conservadores no governo fizerem asneira com o brexit, o que pode muito bem acontecer, as eleições calendarizadas de 2020 podem tornar-se uma corrida cheia de surpresas.
Na zona euro, as opções são ainda mais radicais. Os cidadãos da zona euro só têm dois caminhos para mais investimento. O primeiro é a saída do euro, a única forma legal de um país poder fugir às regras orçamentais que restringem o investimento a nível nacional. É a opção oferecida pelos partidos extremistas.
A segunda opção seria um programa de investimento para toda a zona euro administrado centralmente, financiado pela emissão de títulos comuns de dívida ou, mais diretamente, através da impressão de dinheiro. As questões dos eurobonds e da monetarização da dívida são consideradas politicamente irrealistas, dada a oposição da Alemanha. Assim, a não ser que a opção seja por partidos extremistas, não há escolha no mundo real.
E quanto ao programa de investimento da Comissão Europeia? Numa análise mais aprofundada vê-se que ele se transformou num exercício para mascarar a realidade, numa irrelevância macroeconómica subfinanciada.
A minha expectativa é de que a política irá ajustar-se às necessidades económicas, como aconteceu na década de 1980, desta vez na outra direção. Há uma hipótese de tudo acabar como na década de 1930. Isso é difícil de prever. O que eu tenho a certeza é que o grande consenso a favor de políticas económicas liberais centristas está a ruir, e que isso terá um impacto sobre o modo como olhamos para líderes como o Sr. Corbyn.
Editor do Financial Times