Os "Amigos da Coesão" não se olham ao espelho
Beja recebeu há dias a cimeira dos países "Amigos da Coesão", um encontro informal de Estados do Leste e do Sul da UE que se opõem à redução do orçamento da Política de Coesão europeia. Há bons motivos para que este movimento exista. Mas alguns dos governos que alertam para as desigualdades entre países deveriam olhar melhor para o que se passa dentro de portas.
A Política de Coesão da UE traduz-se nos chamados "fundos europeus": o FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), o FSE (Fundo Social Europeu) e o Fundo de Coesão, aos quais se juntam verbas de outras políticas comunitárias, como as da agricultura e das pescas.
A Política de Coesão é muitas vezes vista como um gesto de solidariedade dos Estados ricos da UE para com os países e regiões mais pobres. Mas os fundos estruturais europeus não são um gesto altruísta.
O reforço dos fundos estruturais, no final da década de 1980, visou responder a um problema habitual na integração entre economias com níveis de desenvolvimento muito díspares. Num famoso relatório publicado pela Comissão Europeia, no âmbito da preparação do mercado único, pode ler-se: "Existem sérios riscos de agravamento do desequilíbrio regional no decurso da liberalização do mercado. Isto porque à medida que os mercados se forem integrando, haverá processos económicos diferentes, uns tendendo para a convergência, outros para a divergência" (Relatório Padoa-Schioppa, 1987). A existência de fundos estruturais era assim considerada necessária para contrariar a divergência nos níveis de desenvolvimento entre países e regiões, vista como um risco político no processo de integração.
A Política de Coesão tem servido também para impulsionar as exportações das economias centrais. Sendo os países periféricos dependentes de tecnologia, o investimento induzido pelos fundos europeus reflecte-se numa procura acrescida de bens de produção dirigida aos países mais ricos. Estes vêem assim regressar às suas economias parte dos fundos que transferem para o orçamento comunitário.
Apesar do seu contributo para o desenvolvimento económico, social e cultural de várias regiões da UE, os fundos estruturais são insuficientes para contrariar as lógicas de divergência que decorrem da integração económica e monetária. Desde o início do século que se acentuou a perda relativa de rendimento e de emprego em muitas cidades pequenas e médias, em regiões industriais e rurais, e em áreas suburbanas, ao mesmo tempo que algumas grandes metrópoles (tipicamente as mais ricas) absorviam uma parte maior do crescimento europeu.
As tendências territoriais observadas devem-se a muitos factores, entre os quais a importância crescente do conhecimento avançado e da criatividade na concorrência entre empresas, a intensificação da competição global e da deslocalização da produção, ou a concentração do capital e a importância crítica do acesso a financiamento. Em qualquer caso, tornam-se evidentes os riscos acrescidos de divergência entre países e regiões da UE, justificando as preocupações com a diminuição dos recursos da Política de Coesão.
No entanto, os líderes dos países "Amigos da Coesão" parecem esquecer um facto essencial: grande parte das desigualdades que se registam na UE devem-se à distribuição de rendimentos dentro dos países - e não à desigualdade entre países. Posto noutros termos, se por magia todos os países da UE passassem de repente a ter o mesmo nível de rendimento médio, mantendo inalterada a actual distribuição dentro de cada país, os elevados níveis de desigualdade e de pobreza no conjunto da UE pouco se alterariam.
Note-se, a este propósito, que muitos dos países "Amigos da Coesão" estão entre aqueles onde as desigualdades sociais são maiores (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Estónia, Letónia, Lituânia, Bulgária e Roménia). Isto sugere que os governantes destes países se empenham mais em obter financiamentos a partir do exterior, do que a distribuir os recursos disponíveis pela população. É uma forma peculiar de amizade pela coesão das sociedades.
Seria injusto dizer que as desigualdades sociais na Europa decorrem apenas das opções de cada governo nacional. Várias regras da UE condicionam a possibilidade de adopção de políticas mais redistributivas à escala nacional (por exemplo, a pressão financeira sobre o Estado Social que decorre das regras orçamentais, ou o incentivo à concorrência fiscal e laboral entre países no seio do mercado único). Importa reconhecer também que a diminuição do orçamento da Política de Coesão da UE tende a acentuar as dificuldades internas (por exemplo, reduzindo os recursos disponíveis para educação, formação e combate à pobreza). Dito isto, os auto-denominados "Amigos da Coesão" seriam mais credíveis se praticassem dentro de casa toda a solidariedade que exigem aos Estados mais ricos da UE.
Economista e Professor no ISCTE
Escreve pela norma anterior ao Acordo Ortográfico