Procurar, ou o risco de ser encontrado

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Em 2013, propus-me a uma demanda literária: encontrar as reportagens que Gabriel García Márquez tinha escrito sobre Portugal durante o PREC. Antes de ser escritor, o colombiano tinha sido jornalista e fundara uma revista chamada Alternativa. A sua primeira história internacional, tinha ele contado nas suas memórias, fora uma série de reportagens sobre os dias que sucederam a Revolução dos Cravos. Mas, por mais que eu procurasse, não encontrava neste lado do charco um qualquer rasto desses escritos.

Parti para a Colômbia durante três semanas. Portugal era nesse ano o país convidado da Feira do Livro de Bogotá e consegui, uns meses antes do certame, apoio da embaixada em Lisboa para o meu intento. Eu ia encontrar aquelas reportagens, desse lá por onde desse.

Viajei entre a capital e Cartagena das Índias, onde me encontrei com os amigos de Gabo, o seu irmão, antigos colegas na revista Alternativa. O escritor ainda estava vivo, mas já muito doente. Percorri livrarias, alfarrabistas e hemerotecas, nada. Tinha conseguido reconstituir toda a sua viagem, mas faltava-me o essencial: o que ele escrevera. Um dos seus amigos aconselhou-me a fazer uma última tentativa na Librería Obscura, onde se vendiam livros proibidos durante a ditadura. E foi então que finalmente dei com as edições completas da Alternativa de 1975, com uma série de três reportagens maravilhosas sobre Portugal, com o título "Pero que carajo quiere el pueblo?".

Naqueles textos, descobri os amigos que Gabo tinha feito em Lisboa. Por causa da sua amizade com o poeta José Gomes Ferreira, falei com o seu filho, o arquiteto Hestnes Ferreira, que me perguntou as datas da viagem de García Márquez a Lisboa. Pusemo-nos a pesquisar os diários do pai e, quando encontrámos o volume desse verão quente de 1975, demos com um poema inédito de Gomes Ferreira sobre o seu encontro com o escritor sul-americano. Estarreci, percebendo nesse momento que a minha viagem dera a volta completa. A literatura de Gabo tinha-me feito voar com todas as células para o meio do seu realismo mágico.

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