O foguetão que levantou do Cais Sodré
Na madrugada de terça para quarta-feira, à porta do Roterdão Club, um rapaz argentino gastou todos os dados do telemóvel para mostrar à namorada um vídeo no YouTube. Era a noite de aniversário de David Bowie e a discoteca lisboeta celebrou a efeméride. Passou, aliás, toda a semana em comemorações. Hoje, sábado, é a última noite de festa - há um concerto dos Starmen, banda de tributo ao Camaleão.
O argentino queria mostrar à sua miúda o vídeo que Chris Hadfield gravou na Estação Espacial Internacional. O astronauta canadiano cantou o tema Space Oddity com gravidade zero e com isso confirmou uma certeza: Bowie não era só deste mundo. Agora, na rua cor-de-rosa, um par latino-americano embarcava no mesmo foguetão que o cantor tinha lançado para a galáxia cinquenta anos antes. No telemóvel, a contagem decrescente - lá vai um foguetão a caminho de Marte.
O hino espacial de Bowie, que Hadfield fez o favor de reproduzir no espaço, foi lançado originalmente um mês antes de o homem chegar à Lua, em 1969. A BBC haveria de usar a canção como música de fundo para as imagens que impressionariam o mundo em agosto: Buzz Aldrin e Neil Armstrong a descerem do Apollo 11 e com isso tornarem-se os primeiros seres humanos a alguma vez pisarem a superfície lunar.
Entrei no Roterdão, comigo estavam dois amigos transmontanos que tinham vindo de Montalegre cantar os parabéns ao músico inglês. Pensei que daí a pouco voltaria a encontrar aquele casal de argentinos na pista de dança, mas a verdade é que só os voltei a ver um par de horas depois, quando tornámos à rua. Bebiam cerveja à porta de um bar do Cais do Sodré e, quando nos voltámos a cruzar com eles, a playlist da casa onde estavam tocava o Space Oddity, this is Ground Control to Major Tom. Fazia um frio siberiano e eles beijavam-se ao ar livre, embalados pela cantiga. O João, meu amigo de Montalegre, fez então uma constatação bastante certeira: aqueles argentinos já não estavam em Lisboa. Agora viajavam com Bowie pelo meio das estrelas