Os ricos podem pagar mais ou não?

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Não vejo nas palavras de Mariana Mortágua o perigo de um regresso a um socialismo contra os ricos. Não percebo esse medo e não percebo que gere tanta confusão uma proposta que visa apenas um por cento dos contribuintes. Não é preciso ser de esquerda, e menos ainda da extrema-esquerda, para saber que a crise afetou mais as classes de baixos rendimentos e menos os de maiores rendimentos. Mas não fiquemos apenas pelo que nos parece, olhemos para o recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que nos diz que, durante a crise, "os 10% mais pobres perderam 25% do rendimento, enquanto os 10% mais ricos apenas perderam 13%".

"Temos de perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro" não é uma frase feliz, porque sugere que é mau fazer poupança, mas não tem de ser lida à letra. Mais ainda quando o que está a discutir-se não é um imposto sobre a poupança, mas um imposto sobre património imobiliário superior a meio milhão de euros. Insisto, há um por cento de contribuintes nesta situação. Então porque geram tanta indignação este imposto e as declarações de Mariana Mortágua? Porque é aceitável afirmar que querem acabar com os ricos? Um por cento de impostos sobre um por cento dos contribuintes será mesmo o fim da sociedade como a conhecemos? Marx, Lenine, Mao, Trotsky, estão mesmo todos a entrar-nos pela porta dentro?

Não é ser de esquerda, nem de direita defender mais justiça fiscal. Os mais ricos podem pagar mais ou não podem? O estudo que revela que os mais pobres perderam 25% do rendimento e os mais ricos apenas 13% sugere que sim. Mas o que sabemos é que os contribuintes de maiores rendimentos vão ganhar mais no próximo ano, com o fim da sobretaxa. Não é demagogia, ordenados brutos superiores a dez mil euros vão recuperar mais de 500 euros líquidos, o equivalente ao ordenado mínimo que é pago a 600 mil portugueses. Não há ninguém disponível para se indignar com esta realidade com metade da força com que muitos se indignaram com o novo imposto de um por cento para um por cento dos contribuintes?

A barreira que foi montada para desfazer a proposta de tributação sobre património superior a meio milhão de euros revela que os mais ricos beneficiam de um lóbi muito poderoso na opinião publicada. Não se trata de uma relação de interesses, é uma espécie de vergonha de aceitar que os ricos podem contribuir com mais do que têm contribuído. Têm medo de ser confundidos com comunistas. Santa paciência.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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