Brincar com o fogo
O que se está a passar com os donativos para as vítimas dos incêndios parece uma brincadeira de mau gosto. Ou melhor, é quase como brincar com o fogo. Os autarcas de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos levantaram publicamente suspeitas de que terão sido desviados donativos das contas bancárias criadas para ajudar nesta tragédia. Mas nenhum deles, pelo menos até à hora em que escrevo este artigo, tinha formalizado uma queixa junto do Ministério Público.
Estes autarcas até podem ter razão, mas parece não terem provas substantivas de que há verbas doadas generosamente por cidadãos e instituições que estão a ser desviadas do fim a que se destinam e deviam ter mais cuidado com o que dizem em público.
Para que o Ministério Público abra um inquérito e investigue a gestão destes donativos é preciso que haja uma queixa. De outro modo ficam só suspeitas corrosivas. O Banco de Portugal tem acesso a todas as contas abertas neste movimento de ajuda nacional e até internacional e estará em condições de ajudar a Justiça, caso venha a ser necessário.
É penoso para os cidadãos em geral, e sobretudo para os que quiseram ajudar as vítimas dos incêndios, pensarem que podem ter estado a contribuir para sacos azuis que nunca chegarão a quem de direito para tentarem recompor a vida. As suspeitas, porque não incidem sobre nada em concreto, também descredibilizam a Cáritas, a União das Misericórdias Portuguesas e a Fundação Calouste Gulbenkian, que são instituições nas quais os portugueses confiaram para gerir os seus donativos. Isto para não admitir que as dúvidas atinjam também o fundo Revita, que o governo criou para agregar ajuda proveniente de várias fontes.
Percebe-se que os autarcas façam pressão sobre as autoridades e estejam sequiosos destes fundos para reconstruir o que ficou destruído. Até porque alguns deles estão envolvidos na campanha eleitoral autárquica e desejam ter mais para mostrar de obras em andamento e de apoios no terreno. Tudo mais não é aceitável sem provas ou indícios que permitam detetar irregularidades neste processo, que até pode estar inquinado num ou noutro caso por falta de solidariedade alheia.
O Presidente da República percebeu o clima de tempestade que tudo isto está a gerar e pediu um pacto entre partidos e autarcas para que os incêndios não alastrassem à campanha. A tragédia foi tamanha e não tem de ser ainda mais escabrosa.