Leonídio Paulo Ferreira
20 janeiro 2018 às 00h00

Não há campos de concentração polacos

Leonídio Paulo Ferreira

A carga da cavalaria polaca na Batalha da Floresta de Tuchola é muitas vezes usada para dar uma imagem tão romântica como desesperada da resistência à invasão nazi nos primeiros dias de setembro de 1939, mas foi um episódio apenas, mínimo, da luta tremenda que a Polónia travou primeiro contra a Alemanha nazi e semanas depois também contra a União Soviética.

Ontem, numa conversa com jornalistas para apresentar as celebrações que neste ano em Portugal vão assinalar o centenário da recuperação da independência pela Polónia, o embaixador Jacek Junosza Kisielewski não referiu esta luta de cavalos contra panzers, que já inspirou filmes, mas relembrou que o seu país sofreu como poucos durante a Segunda Guerra Mundial: não só foi atacado em duas frentes, como perdeu cinco milhões de cidadãos (três milhões deles judeus), o equivalente a mais de 20% da população. Ao mesmo tempo organizou o mais numeroso exército clandestino na Europa e nunca teve um governo colaboracionista, ao contrário do que foi quase regra no resto da Europa ocupada pelas tropas de Hitler.

É com este contexto histórico, que os historiadores confirmam não se tratar de mera lenda nacional, que se percebe bem o quanto revolta os polacos o uso e abuso da expressão "campos de concentração polacos" para referir, por exemplo Auschwitz-Birkenau.

Sim, as ruínas dos campos estão hoje na Polónia, mas foram construídos pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial numa Polónia ocupada pelos alemães. Qualquer jornal, rádio ou televisão, em Portugal como pelo mundo fora, sabe que receberá uma carta ou um telefonema de diplomatas polacos sempre que incorrer no erro e a sugerir que se escreva antes qualquer coisa como "campos de concentração alemães na Polónia" ou "campos de concentração da Alemanha nazi na Polónia". Já aconteceu no DN e sempre demos razão aos polacos, pedindo desculpa pelo lapso. E quem como eu já visitou Auschwitz percebe bem o sofrimento que ali houve, de presos políticos polacos, de judeus polacos, de judeus de toda a Europa. Foi obra dos nazis.

Percebe-se menos a reação extrema - e isso não foi ontem tema de conversa com o embaixador Kisielewski - da Polónia quando alguém, historiador, jornalista ou romancista, aborda um massacre de judeus que teve lugar no verão de 1941 e que envolveu polacos cristãos. Aconteceu há semanas com um livro de um português. Numa época horrível, de terrores vários, terá sido caso isolado e não contraria o facto de os polacos serem o povo mais representado nos Justos entre as Nações definidos por Israel, mais de seis mil, cerca de um quarto do total. E isto apesar da pena de morte que pendia sobre qualquer polaco que protegesse um judeu, lei nazi de dureza extrema, aplicada apenas no país.

Visitei já várias vezes a Polónia. Cracóvia, Varsóvia, Gdansk, Posnan, Szczecin e tenho a ideia de uma nação culta e orgulhosa, marcada por uma história com muitos altos (chegou durante a federação polaco-lituana a ser o maior país europeu e um rei seu salvou Viena da conquista otomana) e baixos (foi repartida entre russos, austríacos e alemães mais de um século até 1918, a tal data que se celebrará a 18 de novembro em Lisboa com o concerto Chopin & Poniatowski). Foi um país importante para a história recente da Europa por ter lá começado, com o Solidariedade e com João Paulo II, o fim da Cortina de Ferro. E hoje, além de terra de acolhimento de milhares de portugueses, é também um parceiro na União Europeia que apesar das tensões dos últimos tempos, e do braço-de-ferro atual entre o governo de Varsóvia e a Comissão em Bruxelas, devemos respeitar e muito.