Erdogan sabe-o bem: força da Turquia é que o mais forte nem sempre ganha

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Está a par da derrota do partido de Erdogan em Istambul? Depois de as eleições terem sido repetidas por exigência do partido do presidente, por irregularidades em março? Pois a vitória do candidato da oposição, pela segunda vez e agora por uma margem que não deixa dúvidas, é a prova de que a sociedade civil turca é forte, de que o jogo democrático continua a ser feito e que nem sempre o mais forte impõe a sua vontade ao eleitorado.

Sim, porque Erdogan continua a ser o mais forte. Talvez Imamoglu, agora eleito autarca na maior cidade turca, possa ambicionar ser mais rival do presidente do que tem conseguido ser o atual líder do CHP, Kılıçdaroglu, mas olhando para o currículo de Erdogan e para os números do AKP, inclusive nas últimas municipais, é apressado dizer que a hora da mudança chegou ao país. O que aconteceu foi a franja litoral do país, laica, que sempre votou contra o AKP, islamo-conservadores, alargar-se à antiga capital otomana e até ganhar enclaves no interior da Anatólia como agora Ancara, a capital da moderna república criada por Ataturk em 1923.

E se alguém sabe que na Turquia nem sempre o mais forte ganha é o próprio Erdogan. Em 1994, o atual presidente da república ganhou a câmara de Istambul, ele que era candidato de um partido islamo-conservador antepassado do AKP. E mesmo no contexto da época, totalmente laico, com os militares cheios de força a entender ser eles os defensores do legado de Ataturk, os eleitores mostraram ser capazes de dar a vitória a alguém que reivindicava o islão como parte da sua identidade e até ideologia política. Que tempos depois Erdogan tenha sido destituído pelos tais militares por causa de um poema onde se falava de minaretes não invalida a coragem de quem votou. E o mesmo se pode dizer de quando Erbakan, o patrono de Erdogan, chegou a primeiro-ministro em 1996 para depois ser afastado também.

Olhe-se para a Turquia e seja-se justo. A geografia e a história legaram-lhe desafios tremendos. Por um lado, a atração pela Europa, por outro todos os problemas de ser um país do Médio Oriente. Um membro do G20, mas com a chegada maciça de refugiados sírios a exigir um grande esforço a uma economia que já teve melhores dias. Um membro da NATO obrigado a ter boas relações de vizinhança com a Rússia e o Irão. Uma república feita para os turcos sobre as ruínas do Império Otomano mas sempre desafiada pelo separatismo curdo. Uma nação que deu ao Islão os seus últimos califas mas que na via para a modernidade preferiu o laicismo de Ataturk.

Domingo a vitória de Imamoglu foi logo reconhecida pelo rival,Yildirim, antigo primeiro-ministro e um dos sucessores nesse cargo quando Erdogan se fez eleger presidente. E que Erdogan, que como ninguém detesta perder e tem tiques autocráticos, já tenha dado os parabéns ao novo autarca de Istambul é um bom sinal para todos os turcos e também para quem acredita que este país entre a Europa e a Ásia merece confiança.

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