O governo do pai do Flávio
O governo de Jair Bolsonaro causa estragos diários ao Brasil.
Ora por aquilo que ele faz - "a gestão dele é um show de besteiras", disse o ex-ministro Santos Cruz, um dos mais recentes bolsonaristas arrependidos - ora por aquilo que ele diz - Alexandre Frota, um ainda mais recente bolsonarista arrependido, notou que os dois únicos dias em que o país não teve crises foram aqueles após o chefe de Estado arrancar um dente e ficar impossibilitado de falar.
Não há tempo nem espaço para lembrar aqui tudo o que se tem vivido neste distópico, para usar uma palavra da moda, 2019 brasileiro.
Os highlights da tragicomédia podem ter sido a apresentação de Bolsonaro ao país inteiro, crianças incluídas, das minúcias da prática sexual conhecida como golden shower, a informação de que "o Brasil tem, por ano, mil amputações de pénis por falta de água e sabão" ou a partilha do segredo para combater o aquecimento global - defecar nos dias ímpares.
Mas, pelo meio, temos visto cientistas, índios, artistas, gays, pacifistas, professores, vegetarianos, presos, imigrantes, nordestinos, intelectuais e desaparecidos políticos serem impiedosamente atacados.
Enquanto torturadores, fabricantes de armas, devastadores da Amazónia, exploradores de trabalho infantil, milicianos e infratores de trânsito são gloriosamente defendidos.
Também já demitiu dois ministros com quem o segundo filho, Carlos, embirrou. E quer oferecer a embaixada de Washington ao terceiro, Eduardo.
As últimas do bolsonaristão, no entanto, não menos graves e sintomáticas, são sobre o primogénito, o filho que está em piores lençóis.
Primeiro, a ideia de desfazer a cúpula da Receita Federal (o fisco) - o número dois do organismo, que ousou criticar "interferências" do Planalto, já caiu.
Depois, a intenção de ignorar os três nomes sugeridos pelo Ministério Público - ao contrário da prática de todos governos brasileiros desde a redemocratização - e escolher um amigalhaço exterior à lista para o cargo de Procurador-Geral da República.
Destaque ainda para a troca de comando da Polícia Federal do Rio de Janeiro, sem consulta à corporação.
E, finalmente, para a demissão do presidente do COAF, órgão que controla a atividade financeira, por ter desagradado o chefe de Estado.
Ora, Receita Federal, Ministério Público Federal, comando carioca da Polícia Federal e COAF são nada menos do que os quatro organismos que, se tivessem um mínimo de independência, poderiam investigar e acusar o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de se apropriar, com a ajuda de um miliciano foragido, dos salários dos seus assessores, em crimes que vão da lavagem de dinheiro à organização criminosa, passando pelo de desvio de dinheiro público.
Por outras palavras, para proteger Flávio, o presidente quer controlar os órgãos de investigação - a quem até o PT, tão acusado de aparelhar o Estado, aumentou a independência, como provam a prisão de José Genoíno, José Dirceu e de outros caciques do partido mesmo durante o consulado de Dilma Rousseff.
Como presidente, Bolsonaro é excelente pai.
E pensar que este governo foi eleito para acabar com "a bandalheira" e "a mamata" por gente que se passeou de verde e amarelo Brasil afora a exigir "a prisão dos ladrões dos cofres públicos" e a jurar não ter "corruptos de estimação".
Voltando, pois, ao início do texto, se Jair Bolsonaro, por si só, já causa estragos diários ao Brasil, o pai do Flávio (e do Carlos e do Eduardo) causa muitos mais.