Bolsonaro, idiotas e ingénuos
Assim como a Revolução Francesa foi a revolta dos sans-culottes contra os aristocratas, a Americana foi a dos colonos contra o império britânico e a Russa foi a do proletariado contra o absolutismo czarista, a que transportou ao poder gente do calibre de Donald Trump ou a sua versão tropical e ainda mais tosca, Jair Bolsonaro, é a revolução dos idiotas contra a civilização.
Os ignorantes, cheios de ressentimento contra os "doutores" que tomaram conta da ciência, da política e de todas as outras formas de suposta superioridade intelectual, cumpriram, menos de um século depois, a profecia do satirista americano H. L. Mencken: "Num grande e glorioso dia, a gente simples desta terra realizará a plenitude da sua vontade de eleger um completo idiota."
Ou, para manter as coisas no Brasil, o presságio atribuído ao dramaturgo Nelson Rodrigues: "Os idiotas vão tomar conta do mundo não pela qualidade, mas pela quantidade."
A Trump e Bolsonaro bastou jogar conforme o espírito imediato, efémero e vazio dos nossos tempos: a) atacar as tais elites prestabelecidas, que se eternizavam e alternavam no poder aparentemente insensíveis ao povo real; b) manter as tropas animadas, através da criação de polémicas e aldrabices que, replicando a fórmula das stories do Instagram, são logo substituídas por outras e assim sucessivamente; c) apelar a sentimentos primários.
Entre estes últimos, contam-se os símbolos bacocos do patriotismo, como a bandeira desfraldada à frente de casa, um hábito tão estado-unidense, ou o hino cantado nas escolas, um sonho erótico bolsonarista.
Ao "último refúgio dos patifes", a célebre síntese de "patriotismo" do ensaísta inglês Samuel Johnson, juntaram-lhe a religiosidade. No Brasil, maior país católico e espírita do planeta e segundo maior protestante, só atrás dos EUA, apelar a Deus colhe. Até porque, como dizia Napoleão Bonaparte, "a religião é excelente para manter as pessoas comuns sossegadas".
Os idiotas, entretanto, não se importam de agir como idiotas, em manadas, reproduzindo entre si as ideias que lhes são enfiadas neurónios abaixo por meia dúzia de cowboys. O que eles não toleram é ser tratados como ingénuos. Isso jamais.
O alucinado Olavo de Carvalho, guru da célula brasileira da idiotia mundial, por exemplo, não se deixa enganar: segundo ele, existem 200 grupos económicos interessados em dominar o mundo; a ideia, iniciada no século XIX e desenvolvida por intelectuais contratados pela família Rockefeller, consiste na eliminação de automóveis com motoristas e de dinheiro em papel para controlar, numa fonte central, os itinerários e as transações financeiras de toda a gente; para dissolver as células de poder que poderiam resistir ao projeto, as famílias judaico-cristãs, entra em ação a esquerda: ela domina, como determinou Gramsci, a cultura (o tal marxismo cultural), onde pretende banalizar zoofilia, canibalismo, pedofilia.
Olavo também acredita que a Pepsi usa células de fetos abortados como adoçante e que foi o filósofo Theodor Adorno quem escreveu as letras dos The Beatles.
Por outro lado, entre os onze milhões de brasileiros que, segundo sondagem Datafolha, acreditam que a terra é plana, a esmagadora maioria votou Bolsonaro.
Pois é, eles não se deixam enganar por Galileu, por McCartney, pela Pepsi, por Marx, por Rockefeller - nem pelos políticos tradicionais.
Por isso, votaram no candidato que jamais se aliaria aos deputados clientelistas do Congresso em troca de apoios - mas, presidente, já deu a esses deputados 73 mil milhões de reais para gerir. Por isso votaram no candidato que não toleraria corrupção - mas, presidente, mantém ministros suspeitos e condenados e recusa-se a comentar escândalo milionário de enriquecimento ilícito da sua família. Por isso votaram no candidato que jurava não se recandidatar - mas, presidente, já faz campanha para manter a idiotocracia por mais quatro anos no Brasil.
Correspondente em São Paulo