A esquerda que queremos ser
Nós na direita estamos numa crise profunda. A verdade é que ninguém nos liga: ninguém quer saber de liberais e conservadores, de mercado e livre iniciativa, de doutrina cristã, judaica ou seja lá o que for. Está-se tudo nas tintas para o alívio da carga fiscal, aumento da dívida, falência dos serviços públicos ou excesso de regulamentação; para valores morais ou para a defesa da família. Ninguém quer saber da direita para nada. A direita cheira a bafio, a coisas certinhas e consistentes, tipo filme dos anos cinquenta. Cheira ao irritante "eu bem avisei..." - como se alguém quisesse ser avisado. Não fosse Assunção Cristas e o seu resultado em Lisboa e já teria acontecido o suicídio coletivo das 127 pessoas de direita que existem em Portugal. No fundo são aqueles 20 e tal por cento e a reconquista de uma câmara em Aveiro que nos seguram da vertigem da ponte. Nem Marcelo nos dá cavaco: somos o filho ignorado de Marcelo. Somos aquele irmão que ficou em casa a servir o pai mas não tem direito a um banquete em sua honra. Não, o carneiro mais gordo é para ser servido ao delinquente de esquerda que só faz asneiras, que é irresponsável, manipulador, arrogante e que nem sabe pedir desculpa. E nós, que sempre nos portámos bem, que nunca gastámos mais dos que podíamos, que cumprimos as regras todas, que nem uma escutazinha mais atrevida temos para dar ao CM, meu Deus, não recebemos sequer um apertãozinho na bochecha, uma festinha na cabeça, vá. A verdade é que está na hora de repensar estratégias. Parece-me urgente uns estados gerais da direita subordinado ao tema "A esquerda que queremos ser". É que queremos. Nós queremos poder ter líderes do tipo Sócrates e ganhar eleições umas atrás das outras. Por que não? Não me parece justo que só a esquerda tenha direito ao exercício da política por psicopatas. Este papel de irmão do filho pródigo é ingrato. É ingrato porque ficamos com má fama e nem nos divertimos: limpamos a porcaria dos outros e ainda vamos de castigo para o quarto. É incrível. Também queremos gastar o que nos custou tanto a poupar e, acima de tudo, exigimos a tolerância que é dispensada à esquerda: qualquer governo de direita, depois da série de palhaçadas e tragédias que aconteceram do verão para cá, já teria sido demitido dez vezes. Por tudo isto chegou o momento de atuar: queremos uma Web Summit só para nós e queremos sair de lá com respostas e novas aplicações. Ou isso ou um carregamento de antidepressivos.