Trump, o antiamericano
Para um europeu que admire o Ocidente, Donald Trump merece perder as eleições por ter sido o presidente que reduziu o papel dos Estados Unidos no mundo e traiu a América em casa. Lá fora, tratou os aliados como adversários, foi contabilístico onde devia ter sido estratégico e mesmo onde podia escolher, preferiu autoritários a líderes democratas e liberais. Em casa, com a ajuda dos radicais do Partido Democrata, dividiu um país que era uma nação e já quase não é.
O fim a Guerra Fria criou a ilusão da vitória das democracias liberais. A suposta abertura económica da China criou a ilusão de que o comércio criaria uma economia de mercado, primeiro, e uma democracia, ou coisa que o valha, depois. O tempo provou os dois erros. Há cada vez mais "democracias iliberais" - admitindo o conceito para efeitos de conversa - e a China não se democratizou nem se tornou capitalista, mas já é um rival global.
Perante a transformação do mundo, Donald Trump decidiu ser o último presidente da superpotência liberal e o primeiro da América isolada e em conflito interno.
Claro que Trump tem razão quando quer que os europeus paguem pela sua segurança. E é compreensível que espere que não entreguem infraestruturas críticas à potência concorrente - um tema que ainda não sabemos como discutir. Mas num mundo mais competitivo, um bom presidente dos Estados Unidos trataria bem, não mal, os aliados. Faria amigos, em vez de os perder.
Trump abandonou acordos e instituições multilaterais, reduzindo a sua influência no mundo. Fez silêncio sobre Putin, porque, com razão, não o vê como uma ameaça aos seus interesses. O que interessa à Rússia atual é uma região do mundo que já pouco importa aos americanos. Mas preocupa os europeus, que veem o silêncio de Trump como uma traição americana.
De resto, o único sucesso de política externa americana é de onde os Estados Unidos querem sair. Os últimos anos transformaram o Médio Oriente. Trump percebeu que a Palestina já não era a desculpa útil, que Teerão era o inimigo de muitos e que o declínio do petróleo tornava alguns Estados mais vulneráveis. Os acordos que estão a ser celebrados entre árabes e israelitas são o resultado dessa compreensão. Vão trazer algum sossego a Israel e mudar a geografia das alianças regionais. E desobrigam a América de algum esforço militar regional, mas não trazem a paz. Esse é um problema com que os vizinhos europeus terão de se preocupar.
Trump é um presidente que acha que a globalização é contra a América e que as democracias não são bons aliados. Exatamente o oposto daquilo em que Reagan, Bush, Clinton, W. Bush (sim, também) ou Obama acreditavam.
Internamente, Trump fez de conta que a política se dividia entre si e os democratas radicais de esquerda. Quanto mais os Antifas incendeiam cidades e declaram que a América é um crime, mais a classe média se assusta. Só que os democratas, bem, escolheram um moderado (silencioso, duvidoso, aborrecido, mas reconhecidamente moderado). E a resposta à pandemia exibiu uma América afinal fraca e vulnerável.
Os americanos, e os europeus, que gostam da América e do seu lugar exemplar no mundo, só podem desejar a derrota de Trump. Por eles e por nós.