Sexta-feira passada, no Project Syndicate, Javier Solana explicava, com razoável simplicidade, que há um traço comum entre os eleitores de Trump, os votantes do brexit e o surto independentista na Catalunha: o regresso a uma ideia antiga (e desatualizada, argumenta) de nacionalismo como forma de responder ao sentimento de impotência perante o mundo moderno, global e competitivo..Aquilo que Solana diz pode, sem desonestidade intelectual, ser generalizado a outros casos. De França à Alemanha, à Hungria, à Áustria ou ao Syriza de Varoufakis, há um traço comum: acreditar-se que a causa dos males contemporâneos é uma sociedade desregulada, capitalista, liberal, aberta e global. Goste-se ou não, aquilo a que se chamou o Consenso de Washington e que foi o guião da política económica internacional das últimas décadas está em crise. Mesmo quem continue a acreditar que esse é o modelo que trouxe crescimento económico global e redução da pobreza à escala mundial tem de reconhecer que a classe média-baixa dos países desenvolvidos hoje sente-se ameaçada (pelo efeito do progresso económico do resto do mundo). Resumindo muito: há medo da concorrência do estrangeiro e dos estrangeiros. O desafio, agora, é descobrir que resposta se pode dar a esse sentimento que resulta de uma realidade: as expectativas desta classe média-baixa e dos filhos de toda a classe média são hoje piores do que eram há quinze ou vinte anos. Há vários caminhos que se pode tentar, alguns deles especialmente perigosos..A The Economist de há duas semanas tinha na capa Xi Jinping, a quem chamava o homem mais poderoso do mundo. Por mais que não se goste de Trump, tem de se ficar muito preocupado quando o homem mais poderoso do mundo não é o líder da maior potência económica democrática e liberal, mas sim o da maior economia autoritária. O possível domínio do chamado Consenso de Pequim, a convicção de que o modelo centralizado, não liberal nem livre, de crescimento económico é o caminho a seguir é um perigo. Independentemente de não haver outras geografias com as características da China, há outros lugares onde parte desta ideia faz o seu caminho. É um pouco isso que os populistas prometem: a partir do Estado, recuperar a prosperidade económica, recusando o livre-comércio e a globalização (duas coisas que fizeram a China crescer), e recusando o declínio das fronteiras. Como se fechados sobre si os povos, os países, os Estados, as regiões, tivessem maior capacidade de proteger os seus cidadãos e oferecer-lhes prosperidade. A história ensina que não, mas a história não basta..Por cá, Macron e Merkel, e a União Europeia em geral, são a outra face da moeda. Do seu sucesso depende o sucesso da ideia de democracia liberal. Resta saber se sabem exatamente o que estão a fazer. E se há ou vai haver um Consenso Europeu.