A suposta cientocracia
Pearl Dykstra é professora na Universidade Erasmus de Roterdão e faz parte do grupo de cientistas que aconselham a Comissão Europeia com o objectivo de incluir a melhor ciência nas decisões políticas.
Falando num painel dos Innovation Days, uma espécie de feira da Inovação organizada em Bruxelas pela equipa de Carlos Moedas, conta que "deu muito trabalho convencer os decisores políticos de que não se justificava agir no caso dos nano e micro plásticos." A ciência indicava que a sua disseminação na natureza não era significativa nem relevante para a saúde dos humanos - só se comessem quantidades absurdas de crustáceos -, mas os decisores políticos queriam intervir. Havia pressão do público, havia vontade de tomar medidas.
Pearl Dykstra tentava explicar que a ciência, e o conselho científico, não se confundem com a política. Onde há incerteza entre os cientistas, é bom que a divergência fique clara. Mas onde há certeza, também. "As pessoas encontram sempre um qualquer estudo científico para sustentar as suas posições ideológicas".
Nos últimos dias, a ciência tem sido invocada para justificar o que a ciência pode justificar, e para defender o que não cabe à ciência defender.
A questão das alterações climáticas está a mobilizar milhares pela Europa (e mundo) fora, e a sensibilidade dos eleitorados para as questões ambientais está a influenciar os decisores políticos - com frequência os mesmo que são insultados nas manifestações e que aplaudem os manifestantes, mas essa é outra questão.
Até um determinado momento esta confluência é útil porque obriga a agir e a responder a preocupações sociais, que é o que se espera da política. Mas há um momento em que a ciência, a indignação e a política se confundem, fazendo de conta que o que é ideologia é ciência pura. É aqui que a discussão, como a dos nano e micro plásticos, entra.
A ciência não substitui a política. E sendo absolutamente legítimo manifestar-se por causa das alterações climáticas pedindo políticas anti-capitalistas, não é vantajoso (além de não ser sério) fazê-lo como se fosse uma constatação científica. No mínimo, e para evitar cair no mesmo erro, há pilhas de estudos que mostram como o capitalismo que "não é verde" tirou milhões da pobreza e melhorou a saúde de vários milhões (para dizer só algumas coisas).
Numa série da Netflix sobre Bill Gates, ao longo de três episódios descobrimos como o milinário e filantropo resolveu investir em soluções pouco imagináveis para problemas bem reais. Para além das famosas retretes que não precisam de água e da disseminação da vacina contra a pólio, aparece um outro projecto muito menos conhecido de Bill Gates: energia nuclear segura.
Não sei o suficiente para discutir energia nuclear e as virtudes do projecto, nem tenho entusiasmo pelo tema, mas sei que se, em vez de um privado, Gates fosse um decisor político, provavelmente não teria podido seguir por ali.
Muito melhores que vários cartazes das manifestações dos últimos dias eram os nomes dos painéis da conferência em Bruxelas, dedicados a descobrir soluções que compatibilizem o modo de vida que queremos com o ambiente em que teremos de viver. É essa a relação que deve haver entre ciência, invetigação, inovação e política.