O desmesurado eucalipto
Perguntou o repórter, numa daquelas infelizes frases que dizemos acontecer até aos melhores: "Não se passou aqui uma desmesurada preocupação com as vidas humanas, deixando tudo arder?" Desmesurada preocupação com as vidas humanas! Perguntou-se isto sobre o fogo de Monchique, um ano depois de Pedrógão... O ministro Eduardo Cabrita foi caridoso e não escarafunchou a faca na tolice. Pois foi pena.
Não que o jornalista merecesse mais castigo do que a fama do deslize já lhe causou. Mas eu gostaria que o ministro e o governo - qualquer ministro, qualquer governo - aproveitassem a deixa para esclarecer um ponto. E esse ponto não é a absoluta prioridade das vidas humanas sobre tudo o mais - esse ponto é óbvio. O ponto, aproveitando essa prioridade ter sido, por um deslize, menorizada pela pergunta, o ponto era dizer de vez sobre a floresta portuguesa: ela é para mudar radicalmente. O peso do eucalipto no território português é um potencial perigo de incêndio. E esse perigo, com o aquecimento global, passou a ser uma certeza de verão.
O eucalipto mata de mais. E quando não mata é porque se gasta gente de mais, dinheiro de mais e tempo de mais, que não é descontado no que a indústria do eucalipto gosta de apregoar como vantagem nacional (ocultando aquele senão de despesas públicas). O eucalipto como causa de incêndio é um facto. Daqueles factos cuja repetição desobriga de mais explicações, tal como não é preciso ser um doutorado geógrafo para saber que o Sol nasce a leste. O incêndio nasce e nascerá cada verão onde há eucalipto. Muitos dirão que não, mas serão desmentidos pelos factos em cada próximo verão. Porque o aquecimento global - que ainda há pouco também era negado pelos mesmos muitos - nos lembrará essa inevitabilidade.
Este governo será julgado, e é bom que o julguem, pelo objetivo mínimo de ter contido, ou não, as mortes por incêndio florestal. Depois do ano passado, não há margem para desconhecer a calamidade causada pela nossa floresta e o aquecimento global, um duo assassino. O mínimo que se pede aos governantes é a desmesurada preocupação com as vidas. Mas o país deveria começar a exigir a todos os políticos o ataque possível à parte do duo assassino que pode ser combatida: esta floresta que mata. Não será fácil: as primeiras manchetes políticas sobre o fogo de Monchique foram para uma reivindicação de madeireiros de eucaliptos...