França, campeã mundial 2018! Quem está a falar de futebol? Este assunto é muito mais do que uma bola e rapazes em calções, é político. Vamos então falar de política: este assunto - a França, campeã mundial 2018 - já é muito menos de política má. E isso é importante e dá-nos esperança. Não dá esperança porque um fenómeno tão forte e universal ser político seja mau, não. Dá esperança porque houve evolução positiva na noção política do futebol em França. É tão positivo como a democracia hoje vivida em Portugal já não sofrer da histeria vivida no Verão Quente, durante as dores de parto da nossa liberdade..A França foi campeã mundial 1998. Isso foi político. Com slogan e tudo: Black-Blanc-Beur, as cores nacionais francesas, bleu-blanc-rouge, substituídas por uma paleta de etnias: negro, branco e descendentes de magrebinos... Na equipa havia negros das Antilhas e de África, brancos de origem gaulesa, portuguesa e basca e muçulmanos árabes e berberes....Uma mistura que não era precursora na Europa, as seleções portuguesas desde a década de 1960 foram também variadas etnicamente. Mas a importância daquela França de 1998 no contexto europeu era muito mais forte e no virar do milénio o continente descobria os filhos das suas imigrações e os seus problemas de integração. O colorido da equipa nacional francesa teve tal impacto que a vaga atravessou fronteiras: a vizinha Alemanha (a da lei do sangue e não da nacionalidade adquirida pelo nascimento) abriu, então, só então, as suas camisolas nacionais aos filhos dos turcos... O Mundial de 1998 foi um acontecimento político, e bom..Acontece, porém, que em França esse fenómeno integrador de 1998 não resistiu ao estilhaçar da sociedade, espicaçado também pelo radicalismo islâmico. Logo em 2001, num jogo França-Argélia, em Paris, as bancadas de jovens assobiaram a Marselhesa. Para esses filhos dos arredores parisienses, a "sua" equipa era a outra, mesmo para aqueles cujos pais eram marroquinos... A identidade muçulmana sobrepunha-se à nacionalidade..Se o maior representante dos beurs na equipa de 1998, Zidane, patrão em campo e patrão de balneários (como se comprovou no seu sucesso posterior como treinador), era um moderado, outros trouxeram para a seleção as pulsões que levavam os jovens das banlieues a sublinhar as diferenças mais do que a identidade. O declínio da equipa de França, com o clímax no Mundial de 2010, com a seleção em rebelião pública, era fruto duma equipa que acabou dividida pelas origens dos futebolistas. Assim não havia linhas de passe que resistissem....O futebol que parecia promissor, unificador, acabou derrotado. O afastamento de futebolistas, como Nicolas Anelka e Franck Ribéry (convertido em Bilal Yusuf Mohammed), da seleção ajudou-a a atravessar o deserto. E, 20 anos depois, a França volta a ser campeã mundial. Com blacks, blancs e beurs... Mbappé, filho de camaronês e de argelina, já nasceu depois da vitória de 1998. Na véspera da final de ontem, ele disse ao jornal Le Monde: "Quando tu perdes, é um problema desportivo; quando tu ganhas, é um sucesso desportivo." O jornal perguntou-lhe se ele queria encarnar a geração de 1998. E ele respondeu: "Quero encarnar a França, representar a França e dar tudo pela França.".Nesse dia, o jornal Le Monde fez manchete: "O desafio de uma equipa, a esperança de um país". Como eu dizia no início da crónica, este assunto é político. E duma política boa. 2018 é o verdadeiro sucessor de 1998, não os assobios de 2001.