23 maio 2016 às 00h01

Uma campanha poluída de mentiras sobre prospeção de petróleo no Algarve

Jorge Moreira da Silva

Tenho 20 anos dedicados ao combate às alterações climáticas, proteção do ambiente e promoção das energias renováveis, tanto no plano nacional como europeu e internacional. As reformas que liderei, nos últimos anos, não só deram resultados práticos - reforma das águas, reestruturação dos resíduos, reforma do ordenamento do território, da reabilitação urbana e do arrendamento, licenciamento único ambiental, garantia de reforço das interligações energéticas europeias, corte de quatro mil milhões de euros nas rendas da energia, promoção das renováveis na eletricidade (passando de 45% para 62% em quatro anos), investimento de 300 milhões no litoral, demolição de construções ilegais na orla costeira, novo regime de autoconsumo de energia, novo regime da mobilidade elétrica, reforma da fiscalidade verde, pacote clima e energia para 2030 e assinatura com cem organizações da sociedade civil do Compromisso para o Crescimento Verde - como foram mesmo reconhecidas no plano internacional. Não fizemos da crise uma razão para hesitar ou adiar mas uma razão adicional para liderar mundialmente no crescimento verde.

Mas de pouco serve o percurso de duas décadas ou o êxito das reformas concretizadas, quando a intenção é denegrir e não discutir ou informar. Tenho sido alvo, há três meses, de um ataque seletivo, mal-intencionado e bem orquestrado, sem verdadeira oportunidade de contraditório, a propósito da autorização há 11 meses de um contrato proposto pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) com a Portfuel. Num ato administrativo assente em legislação consensual desde 1994, autorizei, em junho, depois de 300 dias de análise pela DGEG e pelo Ministério, no meio de centenas de atos administrativos que pratiquei, um contrato para mapeamento de recursos geológicos (e não exploração) em Tavira e Aljezur, impondo condições ambientais muito mais exigentes do que as colocadas nos 17 contratos assinados nos últimos 20 anos por vários governos.

1 Este contrato autoriza a produção de petróleo ou apenas a prospeção?

A legislação portuguesa determina que, no mesmo contrato de concessão terão de estar previstas as regras sobre todas as fases do processo - prospeção, pesquisa e exploração. Mas não confere por si só qualquer direito ou autorização relativamente a cada fase. Isto é, o contrato da Portfuel relativo à área de Aljezur e Tavira, tal como outro autorizado na mesma data com a Australis para a Batalha e Pombal, destina-se ao conhecimento geológico do território, através de atividades de prospeção e pesquisa, e não dá quaisquer direitos de exploração e concessão. Só poderá haver exploração se depois das atividades de prospeção e pesquisa nos próximos oito anos (e não 25 como se tem dito) o Estado aprovar a Avaliação de Impacto Ambiental (com a correspondente discussão pública) e o Plano de Desenvolvimento e Produção de Petróleo. Vale a pena recordar que, das duas dezenas de contratos assinados nos últimos 20 anos, exatamente iguais a este, nenhum chegou à fase de exploração, limitando-se ao mapeamento dos recursos, permitindo ao Estado ter mais informação. Isto é, a Portfuel não obteve o direito a produzir petróleo mas apenas a fazer estudos de prospeção e mapeamento. Tudo o resto dependerá da decisão do Estado, com participação obrigatória de cidadãos e autarquias.

2 Em que difere o contrato da Portfuel dos assinados por vários governos?

Este contrato é idêntico a todos os 17 contratos assinados nos últimos 20 anos, na esmagadora maioria por governos liderados pelo PS, baseados na legislação aprovada e aplicada consensualmente desde 1994, onshore e offshore, relativos às bacias Lusitânica (Australis), do Alentejo (Galp, ENI, Kosmos), do Algarve (Repsol, Partex, RWE e Portfuel) e de Peniche (Repsol, Kosmos, Galp, Partex). Naquilo que difere, é mais ambicioso e exigente. No meu despacho de 15 de junho, aprovando a proposta de concessão à Portfuel que me foi submetida pela DGEG e pelo meu secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, determinei que nas minutas do contrato teria de ser assegurada a sujeição a procedimento de avaliação de impacto ambiental no caso de prospeção e pesquisa para eventual exploração não convencional (fracking). À época, a legislação ainda não tornava obrigatória (o que passou a suceder em agosto, por nossa iniciativa) a avaliação de impacto ambiental na fase de pesquisa e prospeção em regime de fraturação hidráulica e, mesmo assim, obriguei a que isso fosse incluído nas minutas.

3 Foi assinado à pressa na véspera das eleições?

É inteiramente falso. O processo de concessão das áreas de Aljezur e Tavira iniciou-se há muito tempo, em 1994, quando, no aviso publicado em Diário da República, se definiram os lotes que estariam disponíveis para negociação direta, tanto onshore como offshore. Foi com base neste aviso, complementado em 2002, que as empresas submeteram ao Estado, nos últimos 20 anos, duas dezenas de pedidos de contratos de concessão. Em novembro de 2014, a Portfuel submeteu à DGEG o requerimento para concessão das duas áreas previstas. Em janeiro de 2015 a DGEG submeteu ao secretário de Estado a proposta de decisão de atribuição da concessão à Portfuel. A 16 de março de 2015, o secretário de Estado da Energia, depois de avaliado o processo, submeteu-me a proposta. Aprovei, em despacho assinado a 15 de junho (bem distante das eleições de outubro), a proposta de concessão à Portfuel e à Australis. A 9 setembro - e não, como se tem dito, no final desse mês - num normal ato de gestão corrente, aprovei as minutas do contrato relativo a uma decisão já tomada em junho e deleguei a assinatura na Entidade Nacional de Mercados de Combustíveis (ENMC), concluindo o processo administrativo. Isto é, ao contrário do que tem sido noticiado, de forma mal-intencionada, a minha decisão de atribuição da concessão foi tomada em junho e não em setembro. Decorreram mais de 300 dias entre o requerimento entrado na DGEG e a assinatura do contrato por parte da ENMC. Ora, a lei prevê que estes processos tenham de estar concluídos no prazo de 90 dias.

Em suma, se há coisa de que poderia vir a ser acusado, é de ter demorado muito a tomar uma decisão que não poderia ultrapassar 90 dias (no limite 150). Aliás, a Portfuel estava a contestar, no plano legal, a demora. Logo, não era possível adiar e teria de haver uma decisão da minha parte. Sim ou não. Ora, essa decisão, proposta pela DGEG, dado que todas as questões técnicas e de idoneidade tinham sido asseguradas pelo proponente, só podia ser positiva. Não tínhamos argumentos para, à época, inviabilizar estes projetos.

4 As regras foram aligeiradas?

Pelo contrário. Não só as questões de idoneidade e capacidade técnica foram avaliadas pelos serviços - e só isso justifica que me tenha sido submetida uma proposta de aprovação - como foram, pela primeira vez, por mim incluídas normas ambientais mais exigentes. Neste tipo de processos de negociação direta (modalidade dominante nos últimos 20 anos), o requerente, tendo por base o mapa definido na legislação de 1994 e 2002, apresenta diretamente aos serviços da área da energia o pedido de atribuição da concessão. Só no caso de estarem reunidas as condições estipuladas na lei a DGEG submete ao membro do governo o pedido. A decisão política sobre metodologia e mapa foi tomada em 1994 (até hoje sem contestação) e a condução do processo é realizada pelos serviços do Estado (DGEG e agora ENMC). Ora, os serviços técnicos têm dado provas de grande competência e idoneidade. Quando uma empresa é recente, como é o caso da Portfuel, a DGEG impõe condições adicionais para assegurar as regras de idoneidade e capacidade. Isto é, como consta da informação que me foi remetida pelo secretário de Estado em março, a DGEG não só assegurou o cumprimento das normas técnicas e financeiras como impôs à Portfuel, atendendo ao facto de ter menos de três anos de atividade, condições mais exigentes, nomeadamente, a contratação de serviços técnicos e de especialistas. Agora é necessário verificar se essas garantias técnicas estão a ser cumpridas.

5 As compensações para o Estado foram baixas?

Tendo em atenção que em Portugal não foram ainda detetados recursos de gás e petróleo, a fixação das royalties definidas nos contratos de concessão está alinhada com países nas mesmas circunstâncias. No caso da Portfuel não só as compensações estão alinhadas com essas referências internacionais como são superiores a contratos anteriores, como é o caso do Barreiro. Só nos primeiros oito anos, a Portfuel comprometeu-se a realizar investimentos de 2,5 milhões em atividades de prospeção e pesquisa (magnetismo, gravimetria, sísmica 2D e 3D, sondagens geológicas). O risco para os privados é claro: não têm garantias de que o Estado aprovará, em oito anos, seja por razões ambientais, económicas ou territoriais, a passagem à fase de produção, e ainda assim terão de realizar investimentos significativos no mapeamento geológico, garantindo ao Estado acesso a esta informação. Se o Estado autorizar a passagem à fase de produção, não só a empresa terá de fazer investimentos muito significativos como terá de devolver ao Estado 8% a 10% das receitas que auferir com a venda de gás ou petróleo (em linha com os contratos de países nas mesmas circunstâncias de Portugal).

6 A prospeção é incongruente com o combate às alterações climáticas?

O que está em causa neste contrato é a obtenção de informação (e não a produção) sobre os nossos recursos geológicos. Só uma mentalidade obscurantista e medieval pode defender que é preferível o país nem sequer conhecer os recursos. Se, dos 17 contratos assinados nos últimos 20 anos, resultar alguma oportunidade para a exploração de recursos geológicos, o país não poderá deixar de ponderar a opção tendo noção de que, por um lado, o combate às alterações climáticas terá um efeito dissuasor e penalizador da utilização de combustíveis fósseis, tornando a produção de petróleo menos rentável, e, por outro, o acréscimo de consumo de energia (incluindo hidrocarbonetos), em especial pelos países em vias de desenvolvimento, infelizmente, ainda motivará nos próximos anos um aumento do consumo de combustíveis. Logo, nos próximos anos de transição energética a nível global, a aposta nas renováveis para a produção de eletricidade não dispensará a utilização de alguns recursos petrolíferos.

Tenho uma forte convicção, há muitos anos, de que tanto as metas ambiciosas de redução global das emissões de gases com efeito estufa como a impressionante evolução tecnológica na mobilidade elétrica tornarão a produção de petróleo um negócio com menor viabilidade económica. Essa é a razão pela qual não devemos confundir o interesse dos privados em fazer prospeção e a possibilidade de avançarem para a produção. Ao contrário do verificado nas últimas décadas a nível mundial, só projetos altamente rentáveis avançarão.

Questão diversa é esta: pode um membro do governo, apesar das suas convicções ambientalistas, impedir o cumprimento de uma lei aplicada consensualmente desde 1994, permitindo que se avance para o mapeamento? Não pode. Pode um membro do governo, apesar das suas convicções ambientalistas, impedir que o país possa conhecer os seus recursos geológicos? Não pode.

7 Trata-se de uma decisão definitiva ou condicional?

Este contrato de prospeção, igual a todos os anteriores, não permite fazer nada no terreno. Tudo tem de ser sujeito a autorização e avaliação. Até as operações mais banais como os estudos geológicos e de magnetismo. Por outro lado, foram aplicadas à empresa condições muito exigentes de verificação da capacidade técnica e financeira, tanto através da apresentação de documentos, relatórios e cauções, como da apresentação de exigentes planos de trabalho anuais. O contrato confere ao Estado amplas condições de fiscalização e de extinção ou reversão no caso de incumprimento da empresa. Insisto, mesmo depois dos oito anos o Estado tem total capacidade para decidir autorizar a passagem à fase de produção, através da avaliação de dois instrumentos estratégicos: avaliação de impacto ambiental e plano geral de desenvolvimento e produção. Nada está garantido e tudo está condicionado à avaliação e à decisão do Estado. Andamos, pois, a discutir uma falsa questão. O problema não está no contrato, igual a todos, nem na elegibilidade da empresa (foram apresentadas garantias adicionais). Está no cumprimento do contrato.

Se o governo está tão seguro, como tenho lido das declarações do secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, que o contrato assinado pela ENMC não cumpre a lei, porque não o anula, preferindo remeter a avaliação para o conselho consultivo da PGR, adiando a decisão? Apenas porque isso permite prolongar o ataque político que me está a ser dirigido? Já agora, porque não envia para a PGR os outros 16 contratos assinados, em especial por governos PS, e que, ao contrário deste, não acautelaram a necessidade de avaliação de impacto ambiental na fase de prospeção?

E o que está a ser feito quanto ao cumprimento pela Portfuel das regras muito exigentes que foram impostas? Está a cumprir? Se não está, como vi noticiado no DN, isso não só prova que o contrato que autorizei que fosse assinado afinal era muito exigente e habilitava o Estado ao escrutínio e à avaliação, como demonstra que o governo, o PS e o Bloco de Esquerda estão muito distraídos quanto ao essencial, nomeadamente o cumprimento do contrato pela Portfuel. Isso sim deveria ser escrutinado.

Mas, claro, isso não permitia o desenvolvimento da narrativa política predefinida.

Ex-ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia