Residentes não habituais: orgulho ou preconceito?

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Todos nós conhecemos a célebre frase do general romano que, reportando as condições de governação na Ibéria, dava nota a Roma de existir "nos confins da Ibéria um povo que não se governa nem se deixa governar". De facto, é incompreensível este traço tão português de destruir sistematicamente iniciativas positivas para a economia, quando tal destruição compromete as políticas de crescimento e emprego defendidas pelos arautos da desgraça. Como diria Raul Solnado, parece existir o medo de sermos felizes.

Vem isto a propósito da notícia de o BE se preparar para propor a extinção do regime dos residentes não habituais (RNH) no Orçamento do Estado para 2019, por considerar que configura uma "competição fiscal agressiva face a outras jurisdições" e entra em colisão "óbvia com os princípios de justiça fiscal" ao discriminar os contribuintes "normais" face aos que beneficiam do RNH.

Criado em 2009 pelo PS, o RNH é atribuído por dez anos a todos os contribuintes que passem a residir fiscalmente em Portugal e que não tenham sido aqui residentes durante os últimos cinco anos. Ao abrigo do RNH, os rendimentos com origem no exterior (exceto offshores) estão isentos de IRS, quando sejam efetivamente tributados na origem (rendimentos do trabalho), quando resultem do exercício de profissões de elevado valor acrescentado definidas por lei ou quando possam ser tributados no Estado de onde provêm, estando excluídos da isenção a maior parte das mais-valias mobiliárias e alguns rendimentos de capitais.

É precisamente à luz desta isenção que, pelo efeito combinado da aplicação dos acordos de dupla tributação e do RNH, os pensionistas escandinavos têm beneficiado de uma isenção de impostos sobre as suas pensões privadas, motivando as conhecidas críticas por parte da Suécia e da Finlândia. Já quanto aos rendimentos portugueses, o benefício traduz-se na aplicação de uma taxa de IRS de 20%, mas limitada aos rendimentos do trabalho dependente ou independente que resultem do exercício das ditas profissões de elevado valor acrescentado. Nos restantes casos, os rendimentos são tributados de acordo com as regras gerais, havendo sempre que somar a Segurança Social que seja devida.

Explicado o regime, importa entender se as críticas do BE fazem sentido. Refira-se, desde logo, que o RNH português não é caso único na União Europeia. Espanha, Reino Unido, Irlanda ou Itália, só para citar alguns exemplos, acolhem com diversas nuances regimes similares. Sendo certo que, ao invés de Portugal, estes países são mais permissivos no tocante aos rendimentos das offshores. Portanto, quanto à afirmação de que Portugal prevê um sistema fiscal agressivo em comparação com os seus congéneres europeus, estamos conversados.

Por outro lado, e quanto à injustiça do regime, a crítica do BE apenas vê o "copo meio vazio". Desde logo, o regime está limitado a dez anos, dele podendo beneficiar quer os portugueses quer os estrangeiros. Além do mais, e no caso dos rendimentos do trabalho obtidos em Portugal, nem todas as profissões beneficiam da aplicação da taxa de 20%, sendo a mesma aplicável, principalmente, a profissões associadas a atividades culturais, engenharia, medicina, novas tecnologias e gestão. Ou seja, o RNH foca-se em profissões específicas, muito requisitadas internacionalmente, e que permitem às empresas nacionais uma acrescida capacidade de recrutamento e acesso ao conhecimento. Com a vantagem de estes quadros estrangeiros, no futuro, ao conhecerem melhor Portugal, poderem privilegiar o país.

Já lá vai o tempo da política do "orgulhosamente sós". Mas vamos aos números. O argumento da despesa fiscal suportada por Portugal - aparentemente 60 milhões de euros - é falaciosa. Sem o RNH, muitos dos que nos procuram nunca aqui se estabeleceriam. Além disso, e a somar ao acréscimo de investimento, não pode ser retirada da equação do deve e haver os efeitos positivos do recolhimento dos impostos indiretos. Basta pensar no IMT, no imposto de selo, no IMI e no AIMI pagos na compra e detenção de imóveis. Ou no IVA liquidado no consumo.

Fast forward: nem tudo o que parece é. Embora concedendo que não pagar impostos é discutível (sobretudo no caso dos pensionistas), o regime dos RNH constitui uma importante ferramenta de competitividade para Portugal, sendo a alegada perda de receita fiscal seguramente compensada com o acréscimo de investimento e da dinamização da economia. E, pasme-se, com a arrecadação de impostos indiretos que tanto têm ajudado a geringonça a fazer passar sucessivos aumentos de impostos.

João Magalhães Ramalho é Advogado Sócio PLMJ Fiscal

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