O que o crowdfunding pode fazer pelas startups
Portugal está definitivamente na moda, no que toca ao mundo do empreendedorismo e das startups. Lisboa tem vindo a assistir nos últimos anos a um rápido crescimento do número de startups, incubadoras e de eventos dedicados ao empreendedorismo, já sendo por muitos considerada a nova Londres ou S. Francisco no que a estas matérias diz respeito.
Com a realização do Web Summit em Lisboa em outubro deste ano e depois de algumas das mais importantes incubadoras internacionais terem anunciado a sua instalação em Lisboa, no dia 8 de março foi a vez de o Governo apresentar o Programa Startup Portugal, que tem como objetivo promover a estratégia nacional de empreendedorismo. Uma das medidas incluídas neste Programa é a regulamentação de novas formas de financiamento, tais como o Equity Crowdfunding.
O crowdfunding é cada vez mais uma importante ferramenta de financiamento, marketing e validação do projeto para as startups em todo o Mundo. Constitui ainda uma fonte alternativa adequada a sociedades no início de atividade e para pequenos projetos com elevado nível de risco e reduzida apetência para os financiadores tradicionais, contribuindo para o acesso ao mercado de capitais de alguns empreendedores, para os quais nem sempre um empréstimo bancário clássico é a melhor solução, sendo uma forma de financiamento mais flexível e com menores custos e exigências ao nível das garantias associadas.
O crowdfunding, ou financiamento colaborativo, é definido como um tipo de financiamento de entidades, ou das suas atividades e projetos, através do seu registo em plataformas eletrónicas acessíveis através da Internet, a partir das quais se procede à angariação de parcelas de investimento provenientes de um ou vários investidores individuais.
Este modelo de financiamento foi fortemente impulsionado nos EUA e Reino Unido nas modalidades de donativo e com recompensa. Nos últimos anos começou a ganhar grande preponderância o crowdfunding de capital (equity crowdfunding) e por empréstimo, muito utilizados no Reino Unido devido à legislação existente, e com grande crescimento em todo o Mundo.
Pese embora em Portugal este fenómeno ainda tenha uma expressão reduzida, foi dado um passo importante com a publicação da Lei n.º 102/2015 de 24 de agosto, que entrou em vigor no passado dia 1 de outubro de 2015, a qual aprovou o Regime Jurídico do Financiamento Colaborativo.
Falta agora que a Regulamento da CMVM - cujo projeto foi objeto de consulta pública que terminou no passado dia 21 de janeiro de 2016 - seja aprovado e entre em vigor, para que a Lei tenha plena aplicação, designadamente no que respeita às modalidades de capital e empréstimo.
São quatro as modalidades de crowdfunding estabelecidas na Lei:
Donativo - a entidade financiada recebe um donativo, com ou sem entrega de contrapartida não pecuniária;
Recompensa - a entidade financiada fica obrigada à prestação do produto ou serviço financiado, em contrapartida pelo financiamento obtido;
Capital - a entidade financiada remunera o financiamento obtido através de uma participação no respetivo capital social, distribuição de dividendos ou partilha de lucros;
Empréstimo - a entidade financiada remunera o financiamento obtido com o pagamento de juros fixados no momento da angariação.
É essencialmente em relação às duas últimas modalidades que a questão da sua relevância no futuro em Portugal como alternativa de financiamento ao empreendedorismo se coloca. Um dos objetivos da nova legislação é o combate à redução do financiamento concedido às pequenas e médias empresas, num momento em que a banca não liberta os recursos necessários para estimular a atividade económica.
Podem ser titulares de plataformas de financiamento colaborativo qualquer pessoa coletiva ou estabelecimento individual de responsabilidade limitada, sendo que os seus corpos dirigentes e trabalhadores estão proibidos de ter interesses financeiros nas ofertas por si disponibilizadas.
Quando pretendem disponibilizar ofertas de financiamento colaborativo de capital ou empréstimo, as entidades gestoras das plataformas eletrónicas devem proceder ao registo prévio da sua atividade junto da CMVM, que será responsável pela supervisão das mesmas. Os investidores em financiamento colaborativo de capital ou empréstimo estarão sujeitos a limites máximos anuais, previstos no Projeto de Regulamento, (i) de investimento por oferta (3 mil Euros) e (ii) quanto ao montante total investido (10 mil Euros). A campanha de investimento não poderá angariar mais de 1 milhão de Euros. Estes limites não se aplicam às pessoas coletivas ou pessoas singulares com rendimento anual igual ou superior a 100 mil Euros.
As plataformas deverão adotar medidas de prevenção de fraudes e branqueamento de capitais bem como cumprir deveres de informação e conduta, tanto aos investidores como à CMVM. Entre outras, as plataformas são responsáveis pela publicação, relativa a cada campanha de crowdfunding, de informações fundamentais destinadas aos investidores tais como alertas relacionados com potenciais perdas do investimento, devendo ainda certificar a confidencialidade da informação que recebem e evitar conflitos de interesses.
No Projeto de Regulamento propõe-se ainda exigir a divulgação, na plataforma, de informação relativa a cada financiamento ainda não reembolsado, ao desenvolvimento da atividade ou produto financiado, o estado de execução do respetivo plano de atividades, sem esquecer qualquer alteração material suscetível de produzir impacto na restituição ou rentabilidade estimada dos montantes investidos.
Os beneficiários das plataformas de crowdfunding podem ser quaisquer pessoas singulares ou coletivas, nacionais ou estrangeiras. A adesão de um beneficiário a uma plataforma é realizada por contrato escrito e disponível de forma desmaterializada na plataforma, do qual devem constar entre outras, as modalidades de financiamento colaborativo a utilizar, o montante, o prazo de angariação, os instrumentos financeiros a utilizar e os riscos associados. Às relações jurídicas subjacentes ao financiamento colaborativo (nomeadamente entre os beneficiários do financiamento e os investidores), aplicam-se os regimes correspondentes aos tipos contratuais celebrados com recurso às plataformas. De notar que cada oferta apenas pode ser disponibilizada numa única plataforma de financiamento colaborativo.
O crowdfunding tem, portanto, um enorme potencial para se tornar num importante vetor do crescimento económico, pois para além de ser um estímulo ao investimento, constitui uma forma de financiamento alternativo, que se poderá ser ainda mais atrativo e eficaz se se criarem mais incentivos fiscais ao mesmo, seguindo talvez o exemplo britânico.
Mónica Pimenta é advogada Associada do Departamento de Direito Societário da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira e membro do Grupo CGP startups