O novo governo de Israel
O novo governo israelita tomou posse recentemente e será um exemplo raro da cooperação entre concorrentes nas últimas três rondas de eleições. Durante a campanha eleitoral, a situação parecia muito diferente entre os líderes dos dois blocos: Benjamin Netanyahu, líder do Likud e Benny Gantz, ex-chefe do Exército e líder do Azul e Branco, um partido do centro. Eles atacaram-se mutuamente, prometendo que nunca iriam cooperar e agora estão juntos no mesmo governo. Isto foi, portanto, mais uma prova muito óbvia de que os ataques na política devem ser considerados como "nada de pessoal".
A epidemia de covid-19 atingiu Israel com muita força, como a todos os outros por esse mundo. Eles tentaram tudo para a conter e tiveram algum sucesso. Mas agora, quando toda a gente está a pensar em aliviar as restrições, a explicação de que a recente coligação Netanyahu-Gantz foi formada para combater a epidemia não será totalmente correta. Ambos os políticos entenderam que ir a uma quarta ronda de eleições em questão de um ano e meio prejudicaria politicamente os dois.
Além disso, Netanyahu tinha outra coisa com que se preocupar. O processo contra ele por acusações de corrupção começou e, se ele não se sentar na cadeira de primeiro-ministro durante esse período, ficará politicamente muito mais fraco. Gantz deu-lhe a hipótese de partilhar a liderança com ele, mas tendo a primazia, o que era crucial. Caso contrário, ele teria de voltar à campanha eleitoral pela quarta vez, mas agora durante o julgamento da corrupção e isso não seria bom.
Gantz, por outro lado, entendeu que a sua coligação com Yair Lapid, um político centrista, não conseguia levá-lo à vitória, e a ideia para chegar a acordo com os partidos árabes acabaria basicamente com a sua carreira política. É um facto que a sociedade israelita virou à direita há algum tempo, como aconteceu em muitos países do mundo. Então, a opção era estar com Bibi ou entrar novamente na oposição.
Netanyahu é agora o primeiro-ministro com mais tempo no cargo da história de Israel. Ele conseguiu estabelecer o cenário para os desafios que estão à sua espera e está pronto para usar todas as oportunidades que terá num futuro imediato.
O que se pode esperar que aconteça, poderia ser descrito assim:
1. Netanyahu irá a julgamento por corrupção, atacando todo o sistema judicial em Israel pela conspiração contra ele. Do cargo de primeiro-ministro, ele terá a oportunidade de conversar com o público todos os dias e irá usá-la. É provável que tenha algum sucesso nesta campanha, influenciando indiretamente as futuras decisões da acusação e do tribunal. A opinião pública pode ficar do seu lado, independentemente das provas que serão apresentadas no julgamento. Além disso, o julgamento vai durar muito tempo, até que todos fiquem cansados dele e comecem a procurar uma saída.
2. Benny Gantz vai esperar um ano e meio para se tornar primeiro-ministro, mas a partir da poderosa posição de ministro da Defesa com direito de veto a todas as decisões do governo. Ele conseguiu saltar das sombras da oposição para o palco principal e estará pronto para assumir a posição principal quando chegar a hora. As suas visões políticas não são assim tão diferentes das de Netanyahu, portanto não havia nenhum problema ideológico entre os dois.
3. A pandemia do coronavírus ainda é uma ameaça séria para os dois, sabendo a possível reação do povo de Israel se as coisas piorarem. Este será um desafio muito sério, especialmente com os grupos ultrarreligiosos de Israel, que não estão prontos para seguir as ordens do governo. O alívio antecipado das restrições já está a piorar as coisas, mas pode-se dizer que a pressão prolongada sobre a sociedade israelita pode ser uma jogada politicamente muito perigosa para as pessoas no poder. O combate à covid-19 e a potencial reação política às restrições têm objetivos opostos e as dificuldades do governo serão muito grandes.
4. O plano dos EUA para a paz no Médio Oriente está a dar a Israel oportunidades sem precedentes, porque pode ser implementado unilateralmente (os palestinos rejeitaram-no). A anexação potencial dos 30% da Cisjordânia está planeada para julho e será muito bem recebida pela opinião pública de direita no país. Netanyahu e Gantz estão perfeitamente conscientes de que isso deve ser feito antes das eleições nos EUA, porque a amizade e o apoio do presidente americano Trump nunca serão maiores do que agora. A oportunidade não se repetirá e eles sabem disso. O outro lado deste caso é a potencial reação dos palestinos. Os benefícios da anexação podem facilmente desaparecer se a região voltar a entrar na violência e não ajudará nenhum dos lados no conflito israelo-palestino. O presidente palestino Mahmoud Abbas não tem muitas opções e é realmente um grande ponto de interrogação o que ele fará. Normalmente, a autoridade palestina poderia pressionar pelas manifestações generalizadas, mas elas podem transformar-se em violência, e quem sabe alguma coisa sobre o Médio Oriente pode dizer que o resultado disso não pode ser previsto. A agitação pode ser contra a ocupação e anexação israelita, mas pode facilmente voltar-se contra a autoridade palestina e pode ser usada pelo Hamas, que governa a faixa de Gaza, para fortalecer o seu poder também na Cisjordânia. Assim, os israelitas celebrarão a anexação, mas os palestinos podem entrar noutro ciclo de incerteza que pode afetar a todos, incluindo o governo de Israel e o apoio de que desfruta dentro do país.
A combinação entre a epidemia de covid-19, a anexação da parte da Cisjordânia, o governo complicado entre políticos rivais e o julgamento do primeiro-ministro do país por corrupção, será um cocktail de substâncias muito perigosas, com um futuro imprevisível.
Antigo embaixador da Sérvia e investigador do Centro de Estados Internacionais do ISCTE