O Coronavírus e a política
A epidemia do coronavírus é, ao que parece, não apenas o maior desafio à saúde nos tempos modernos, mas também um sério desafio para a democracia. Todas as medidas, decididas pelos governos dos países atingidos pela epidemia, devem ser vistas sob diferentes ângulos. O aspeto mais importante é, inquestionavelmente, o de salvar vidas, aquele em que as pessoas devem seguir, em teoria, a sua elite política para se protegerem da doença mortal. Esta é a primeira coisa a fazer, mas não a única.
O problema pode estar na suspensão de alguns direitos básicos, partes da Constituição e em algumas decisões pouco claras, que deixam espaço para diferentes interpretações. Muitas vezes, como vimos até agora, os governos declaram medidas para restringir a circulação de pessoas, sabendo que a disseminação do vírus pode ser contida minimizando o contacto social entre a população. Às vezes, restringem até o acesso da comunicação social às informações, acreditando que evitar o pânico e os sentimentos de perigo entre as pessoas não excede a sua capacidade de tolerância.
Tudo o que foi mencionado até agora é o resultado direto da falta de conhecimento científico sobre o vírus, o que possibilita que os políticos se envolvam mais do que deveriam. Nesta situação, os especialistas dão um passo atrás, cientes de que o que sabem sobre o coronavírus está longe de ser uma certeza que eles poderiam, sem hesitação, transmitir às pessoas. Eles não estão acostumados a este tipo de situação, em que alguém pode ficar à frente de uma câmara e falar sobre coisas de que ele ou ela não sabe verdadeiramente o suficiente. Para os políticos é diferente. Eles estão habituados a isso, eles sabem que, se aparentarem autoconfiança, independentemente da quantidade de informações que possuem, parece que sabem tudo. Além disso, os políticos não têm escolha, eles têm de manter a iniciativa apresentando as medidas que, às vezes, não muito úteis para a população. Assim, é muito fácil ultrapassar a linha e entrar na esfera do voluntarismo, na qual, com base nos regulamentos pouco claros do estado de emergência ou algo semelhante, dá a algumas pessoas a sensação de que podem fazer o que quiserem.
Geralmente, os dois grupos aparecem em conjunto: os especialistas precisam dos políticos e os políticos precisam dos especialistas. Ninguém sabe tudo. Mesmo juntos, o conhecimento deles não é suficiente. Para piorar as coisas, os potenciais de comunicação de hoje estão a dar a oportunidade a qualquer pessoa, em qualquer país, de partilhar a sua própria opinião sobre qualquer coisa, o que só trará mais confusão à cabeça das pessoas.
Se esta situação de incerteza durar apenas o tempo da epidemia, pode-se esperar que as coisas voltem ao normal após a derrota do vírus. No entanto, as pessoas esquecem-se de que os limites foram quebrados, geralmente sem controlo, e as pessoas no poder sabem agora que, no futuro, todos os tipos de medidas poderão ser possíveis. Isso inclui o nível de controlo sobre a população, a restrição de circulação, as detenções e assim por diante. Vai ser muito difícil que essas coisas sejam esquecidas pela elite política e nós simplesmente não sabemos o que o futuro pode trazer.
Mudanças e incerteza estão aqui à nossa frente e teremos de lidar com isso.
Antigo embaixador da Sérvia em Portugal e investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE.