Se, em 2015, muitos pensámos que a formação de governo por António Costa era um desafio complexo, a constituição de um executivo, em Espanha, por Pedro Sánchez é uma tarefa hercúlea: governar com 84 deputados (num parlamento com 350) tendo chegado ao poder através de uma maioria formada exclusivamente para demitir Mariano Rajoy não será fácil. No entanto, os últimos anos têm sido muito ricos em surpresas na política espanhola e não é de excluir que Sánchez consiga o inesperado..O PSOE assume o poder exclusivamente por responsabilidade do PP e de Mariano Rajoy. Os populares são hoje um partido desacreditado, fruto da corrupção que o corroeu e de uma gestão desastrosa do processo catalão. Curiosamente, o regresso à oposição poderá proporcionar a regeneração de uma formação com estruturas muito rígidas e nada dadas à auto-crítica. Caso Rajoy se tivesse mantido no governo até ao fim da legislatura, ninguém o contestaria a nível interno e tudo indica que chegaria ainda mais debilitado às eleições legislativas previstas para 2020..Se o PP precisa de um recuo até à oposição para se recompor, Pedro Sánchez percebeu que a única hipótese de sobrevivência do PSOE seria chegar ao governo o mais rapidamente possível e demonstrar que o partido que governou durante mais tempo no actual período democrático não está destinado à irrelevância a que estão votados socialistas gregos e franceses. Convirá não esquecer que o PSOE passou recentemente por uma grande convulsão interna, com a demissão e regresso do próprio Sánchez numas primárias em que enfrentou os aparelhos regionais e os históricos do partido. Tudo isto, e não por acaso, decorreu em paralelo com a emergência de dois novos partidos concorrentes, o Podemos e o Ciudadanos, de discurso ligeiro e sem o peso histórico do exercício do poder..O secretário-geral socialista terá conseguido, assim, desacelerar o que parecia ser o curso dos acontecimentos. O desembarque de Albert Rivera e do Ciudadanos no Palácio da Moncloa, impulsionado pelo sucesso obtido na frente catalã, afigura-se hoje menos inevitável do que há uma semana. Pedro Sánchez, mesmo com um governo frágil, dispõe de uma oportunidade para desenvolver algumas políticas simbólicas que poderão consolidar eleitorado, estimular acordos "à portuguesa" e construir uma plataforma eleitoral. Também o PP tem uma oportunidade de ouro para começar a virar uma página negra da sua história e desenvolver uma estratégia que estanque a sangria eleitoral que se previa. Assim queira Mariano Rajoy abandonar a liderança..Professor da Universidade Autónoma de Lisboa *Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico