Querem saber como apoiar os media? Perguntem aos leitores

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Não há nenhum negócio que possa funcionar sem que quem o consome lhe dê algum valor. Carros que não andam não são vendidos. Sapatos que deixam entrar água podem enganar os primeiros que os compram mas não terão futuro.

Então, o que há de diferente com o jornalismo? Vale a pena perguntar, depois de uma semana em que, em Portugal, o Sindicato dos Jornalistas debateu o financiamento dos media, e, em Espanha, a Associação Internacional dos Editores (Wan-Ifra) debateu o negócio das subscrições eletrónicas.

Não há nada de diferente. O jornalismo só pode ser um negócio se for valorizado pelo público. O trabalho cívico - escrutinar poderes, defender enfraquecidos -, tudo isso só é serviço público se for reconhecido como tal. Acontece o mesmo com o jornalismo que dá a conhecer o mundo, o explica, liga realidades, dá-lhes causa e consequência - só é interessante quando preenche essas e outras necessidades humanas. Não há, digamos, um pendor democrático inerente ao jornalismo. Ele só existe se for transitivo. E desejado.



E foi por isso que o jornalismo continuou a fazer-se, mesmo depois da disrupção do modelo de negócio em que assentava, quando outras plataformas, usando tecnologia, com abrangência mundial e segmentação mais fina, lhe roubaram o negócio das audiências. O jornalismo aglutinava audiências, através do interesse dos conteúdos que produzia, para depois as vender aos anunciantes. Persistimos no modelo antigo, oferecendo conteúdos em troca de mais e mais leituras, perseguindo cliques rápidos e repetidos, transformando conteúdos em "anzóis" de gosto e interesse público duvidosos, plenos de emoção e "bizarrias".

Todos, mesmo todos, temos de fazer um mea culpa. Jornalistas que foram lentos a perceber as mudanças, teimosos, na bolha. Direções que não tiveram visão, nem audácia. E gestores que não olharam mais além - ou, se calhar, era melhor dizer mais aquém, porque, no fundo, tinham era de valorizar os seus produtos, acreditar neles e no lugar que tinham nas sociedades. Deixaram-se assustar pelo curto prazo, não pensaram no longo. E, no campeonato da emoção, na economia da atenção, perdeu-se muita da credibilidade do jornalismo - e abriram-se espaços, que não mais serão fechados, para a desinformação e para as grandes plataformas, que vivem, sobretudo, do tráfego.

Mas o jornalismo é forte, e preciso. E está a tentar recuperar o tempo perdido, apostando num novo tipo de proximidade com os leitores - aproveitando as tecnologias que permitem a personalização e a capacidade de comunicar com eles, de os compreender, de saber o que querem e como agem. Caso a caso. Com informação e dados. Por todo o lado nascem casos de sucesso de modelos de negócio baseados em venda de conteúdos - o francêsMediapart, o The Guardian, o Clarín, De Correspondent, os sites nórdicos...

"Quanto mais investimos na nossa redação, mais conteúdo temos, mais histórias que são distintivas, mais subscrições podemos fazer", disse Louis Dreyfus, o presidente do Le Monde, em Madrid, no congresso de editores. Tal como ele, que já tem 30 milhões de euros vindos diretamente dos leitores, estavam otimistas os especialistas reunidos. "Há que deixar de falar de cliques e passar a falar do tempo em página. Do engajamento dos leitores", disse Javier Kraviez, chief costumer officer do Clarín .

Não há soluções mágicas para um problema complexo - e algures entre o otimismo de Madrid e o pessimismo do encontro de Cascais, com pedidos lancinantes para que o Estado intervenha com subsídios, estará a visão do que pode ser o jornalismo como negócio com futuro. Mas o novo contrato, mais direto, entre os consumidores e os produtores de jornalismo torna ainda mais evidente a relação de confiança: só vão pagar o que valorizarem.

Como diz o diretor do Reuters Institute, Rasmus Kleis Nielsen, numa entrevista ao DN: "Nenhum problema devia distrair-nos do facto deprimente de que uma grande parte do público, nalguns países a maioria, não confia no jornalismo, não acha que tem valor, que vale o seu tempo. E é este o mundo em que vivemos. Como é que podemos querer ter um modelo sustentável de negócio se o público não valoriza nada do que fazemos?" Pois é, não podemos. E dessa forma não haverá subsídios que nos salvem.

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