(In)confessados desejos eleitorais da extrema-direita
Os cartazes desta pré-campanha para as eleições europeias de maio mostram bem como pode ser terrível e desigual o combate entre os partidos que se portam bem e os outros... como chamar-lhes, os partidos e os movimentos que nem sabem nem querem saber o que é portar-se bem, ou que querem é portar-se mal. Quanto pior melhor. Ignoram regras da democracia... e cânones de inteligência - e são seguidos, como temos visto por este mundo fora, pela simples razão de que o mundo está perigoso, com medo, e as pessoas estão frágeis e sozinhas e dispostas a acreditar em qualquer banha da cobra.
Isto não é o retrato do apocalipse. Isto é o apocalipse. Da democracia, do respeito pelos outros, sobretudo se forem diferentes, e da liberdade. Nesses cartazes, as mensagens são básicas, tontas mas concretas. Populistas e portanto, simplistas por natureza e radicais por defeito. Entre o número de deputados e a baixa de impostos, vale tudo. Exceto ter lógica ou dar uma qualquer explicação racional. Se o leitor não acredita nisto, passe pelos autênticos mostruários de cartazes que nesta altura são a Praça de Espanha, em Lisboa, ou dê umas voltas à rotunda do Marquês de Pombal.
No texto que publicamos esta semana sobre o aumento das veleidades eleitorais na extrema direita, a especialista em direito digital Nathalie Maréchal explica que estes partidos "não estão interessados em jogar o jogo de forma justa", o que nos leva a viver "uma espécie de desarmamento unilateral, onde há pessoas que querem jogar limpo, de forma justa, e outras pessoas que não se importam com isso."
Exagero, dizem os que negam estes movimentos ou a sua importância. Nesse assobiar para o lado, parecem talvez demasiado disponíveis a abrir-lhes a porta, nem que seja numa - aparente - tomada de poder ou retirada de poder em sentido oposto.
Ora, parece que não será bem assim. E que esses cartazes, simplistas e até simplórios, serão a ponta de um icebergue bem mais fundo, largo e perigoso. É o que diz quem sabe, e quem sabe é quem faz o RASI, o relatório de segurança interna, compilado, estudado e escrito por uma série de forças policiais, entre elas as secretas - o que é mais grave aqui, porque não costumam dizer tudo e este cenário traçado já é negro o suficiente.
Diz o RASI, então, que a extrema-direita e os movimentos identitários estão a "criar condições favoráveis ao sucesso eleitoral de forças políticas nacionalistas ou populistas em 2019". E, pelos vistos, não são apenas os cartazes. Haverá "realização de conferências, ações de propaganda, celebrações de datas simbólicas, ações de protesto, eventos musicais e sessões de treino de artes marciais." Ou seja, há um movimento identitário que odeia imigrantes, mulheres, o multiculturalismo e, enfim, a sociedade moderna, que se mexe e se move.
Nas próximas semanas, o DN vai publicar uma série de reportagens que mostram que o perigo não existe em Portugal apenas, e que é duplamente perigoso porque se alimenta de notícias falsas e da forma como a internet funciona - viral e dando primazia ao engajamento primário. Estas reportagens ajudarão a iluminar o cenário e a tirar teimas de que devemos ter cuidado, muito cuidado.
Estes grupos têm sido financiados na Europa pela nata do populismo mundial, e pelos mais potentes movimentos conservadores. Só dois destes movimentos já fizeram chegar aos seus aliados políticos europeus mais de 50 milhões de dólares. E é preciso não esquecer que Steve Bannon reina em Roma no seu instituto para a formação de novos conservadores.
Mas talvez nada seja mais elucidativo do risco da banalização destas ideias do que haver um debate preparado entre adolescentes de um colégio cujos temas incluam ideias como "os votos dos eleitores devem valer todos o mesmo", ou "será que nascemos geneticamente gays ou é algo que resulta de uma conjuntura externa?"