Cumplicidades
A vida está difícil para os iludidos do chavismo. A maioria optou pelo silêncio da vergonha ao ver o magnífico rumo do "socialismo do século XXI". Tal como certa direita europeia tem sido escandalosamente cúmplice de Viktor Orbán, certa esquerda portuguesa e espanhola (sobretudo estas, a que se juntaram alguns deslumbrados na nossa direita) têm sido incapazes de se demarcar da hecatombe em que mergulhou o sonho revolucionário chavista. O mercado negro dos bens essenciais é dominante, o pequeno comércio foi rapinado pelo instinto de sobrevivência, com uma incidência na trabalhadora comunidade luso- descendente, que tem sido, nos últimos anos, alvo do crime violento sem que Lisboa tenha mexido uma palha para influenciar Caracas a reforçar a sua segurança. A inflação pode chegar aos 400%, a taxa de mortalidade disparou, os serviços públicos estão em colapso, a função pública trabalha dois dias por semana e 70% da população está na pobreza. Isto num país com as maiores reservas de petróleo do mundo e que arrecadou, nestes 17 anos de Chávez/Maduro, cerca de um bilião de dólares em receitas vindas dali. Mais: beneficiou de um pico histórico e prolongado no preço do barril. Dir--me-ão que muitos programas sociais só foram possíveis graças a isso. Certo. Mas a verdade é que não foi promovida qualquer diversificação económica para acomodar a queda do preço do petróleo, como a que vivemos, e o mais provável é que esses benefícios sociais não sobrevivam à gestão revolucionária: se há culpas a atribuir é ao chavismo, não ao barril. Aliás, a retórica incendiária do regime também não ajudou e foi propositadamente pirómana para cavar o fosso ideológico que o protegia. O institucionalismo foi sempre um logro no madurismo, tal como a assunção de responsabilidades. E nisto não fica atrás dos muitos que, por cá, foram bajulando a Caracas revolucionária. Aí têm a consequência.