O segredo compensa
Tempos houve em que todos pagavam pela violação do segredo de justiça: os advogados de defesa, os arguidos, os jornalistas, os directores dos jornais, os carteiros, os motoristas e a menina das fotocópias. Todos, menos os verdadeiros culpados, ou antes, os verdadeiros responsáveis: os magistrados judiciais e do Ministério Público, eventualmente uns funcionários de justiça. A regra era a do segredo durante as fases de instrução. A quebra do sigilo era crime. Muitas vezes, os jornalistas e os directores dos jornais eram os únicos acusados por violação da lei. Não interessava quem lhes fornecia as informações.
O actual regime, em traços breves e simplificados, estabelece que o segredo deixou de ser a regra para ser a excepção. Isto é, apenas funciona a pedido das partes, por decisão fundamentada do magistrado, a pedido do Ministério Público, com validação do magistrado. A regra é a da publicidade dos processos, salvaguardada a discrição processual pela qual cada um zelará.
Em princípio, parece que menos de 10% dos processos estão hoje abrangidos pelo segredo. O progresso foi enorme. Os jornalistas já não são os únicos culpados. Mas, infelizmente, não se foi tão longe quanto era possível. Ainda há muitos casos em que o segredo de justiça protege privilégios ou encobre incompetências. Ou é administrado "à vontade do freguês". Acontece que, hoje, quase todos os grandes processos polémicos (políticos, bancos, autarcas, dirigentes desportivos, grande corrupção em geral...) se encontram nesse regime. Dos principais, há, todos os dias, fugas organizadas, cirúrgicas ou não, parciais ou totais. A devassa é completa: documentos, imagens, confissões, alegações, declarações, actas, relatórios, transcrições de escutas e de interrogatórios e gravações de conversas telefónicas ou interrogatórios vivos, isto é, conversas reais com as vozes verdadeiras, tudo se encontra disponível nos jornais, nas redes sociais e na internet. Podem mesmo ouvir-se na televisão!
Esta é a mais degradante de todas as imagens que temos actualmente da Justiça. Por todas as razões e também pela impunidade. Não é possível exigir justiça, esperar por equidade, confiar na competência e desejar imparcialidade neste clima de degradação de costumes e de manipulação mafiosa de processos. A demora e os atrasos, a parcialidade e as chicanas são brincadeiras ao lado desta devassidão.
A grande solução seria evidentemente a de abolir o segredo de justiça. Nessas circunstâncias, se os magistrados, os investigadores, as polícias ou os advogados entendem que algumas das suas actividades ou iniciativas devem ser mantidas em segredo, a bem da eficácia da justiça, não têm mais do que tomar todas as cautelas para que assim seja. E hoje isso é absolutamente possível. E faz-se todos os dias. Quando se quer. E quando não há quem queira o contrário.
Na ausência da solução óptima, então teríamos uma outra também digna e de fácil execução: a de responsabilizar o magistrado titular de cada processo em segredo pela sua manutenção. Caso haja violação, seria esse magistrado responsabilizado disciplinar e criminalmente.
Na verdade, para além da intencionalidade dos interessados, as violações actuais têm uma razão. Essa razão pode ser o empenho pessoal, o ganho material ou o interesse político. Eventualmente, a incompetência, o descuido e o desleixo. Ou a indiferença perante a integridade da justiça e a degradação dos procedimentos, que não é uma causa, mas simplesmente uma circunstância. Em todas estas situações, a responsabilidade é do magistrado. Por isso deveria ser responsabilizado, processado e castigado. Tanto disciplinar como criminalmente.
Estou convencido de que, com uma medida deste género, a diminuição do número de violações do segredo de justiça seria drástica, rápida e talvez total. Por enquanto, com o regime que temos, não é o crime, é o segredo que compensa. Para mal de todos nós!
As minhas fotografias
Entrada no Parlamento britânico, Westminster. Era assim no ano passado. Vai ser pior a partir de agora. É cada vez mais assim no mundo inteiro. E vai ser cada vez pior. As filas de espera aumentam. A inspecção de roupas e o controlo de malas e mochilas prolongam-se. Podemos sempre falar de dignidade e de serenidade. Pode facilmente dizer-se que não teremos medo e não faremos o jogo dos terroristas. É possível acrescentar que a vida continua, business as usual, que é como quem diz "tudo como dantes, quartel-general em Abrantes". Nunca deixaremos de afirmar que "eles" não vencerão, que os terroristas islâmicos e outros não condicionarão o nosso modo de vida. E sempre diremos que não faremos o que eles querem, isto é, não criaremos uma sociedade vigiada, com censura, fiscalizações, verificação de identidade, operações stop, câmaras de televisão nas ruas, vigilância nos espaços públicos em geral, escutas telefónicas, violação de correspondência, humilhantes exames físicos nos aeroportos, intrusão nos computadores e nas redes sociais... Nunca... Nunca?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.