Fugiram ou partiram?
Partiram. As palavras contam e a manchete de ontem do DN melhor ficaria se tivesse utilizado outro verbo. É uma questão semântica, mas o significado que cada uma das palavras tem e a escolha que se faz é uma das forças do jornalismo. Num mundo que, cada vez mais, fecha fronteiras com correntes de medo e cadeados de ignorância, precisamos de utilizar todo o nosso saber para o melhorar.
Ontem fiz o título na primeira página dando conta de que "mais de 200 refugiados já fugiram de Portugal" e recebi um sms chamando-me a atenção para o facto de que "os refugiados não são presos. São pessoas livres a quem é dada proteção, precisamente para poderem viver a sua liberdade". Na verdade, como está escrito na notícia, "os refugiados estão obrigados a permanecer nos países onde são recolocados, perdendo todos os direitos que têm com esse estatuto e ficando em situação de ilegalidade quando abandonam os programas de acolhimento", mas titular que fugiram dá-lhes uma carga de condenados. Mais ainda quando parece que a maioria dos que partiram foram à procura de se juntar a familiares que vivem no Centro da Europa e outros à procura do eldorado.
Por se porem numa situação de ilegalidade não os torna fugitivos. Não são pessoas perseguidas pela justiça, são pessoas que viviam prisioneiras da guerra e da miséria nos seus países de origem e a quem queremos dar a liberdade. Sendo milhões, a União Europeia precisa de ter regras para os acolher, os países que aceitam recebê-los precisam de fazer um esforço para os integrar e em cada passo que é dado temos de ter sempre presente que eles são as vítimas. Mas temos de ter presente também que, quando as regras não são cumpridas, há um problema que é preciso resolver. A União Europeia mostra-se preocupada com este "segundo movimento" de refugiados, todos devemos estar, porque só haverá sucesso na integração dos refugiados se lhes dermos condições para refazer a vida que foram obrigados a deixar para trás. Eles fugiram da morte e da miséria, que era o que tinham nos países de origem. E partiram de Portugal, onde tinham chegado recentemente, porque tendo liberdade não realizaram o sonho que os fez arriscar a vida.