'One Big Beautiful Mistake'
Donald Trump poderá ter criado, com a sua One Big Beautiful Bill (OBBB), um dos maiores riscos fiscais e políticos dos últimos anos - para os EUA e para si próprio. O pacote, que prevê cortes fiscais assimétricos e alterações profundas em programas sociais, até poderá impulsionar algum crescimento no curto prazo, mas dificilmente evitará efeitos colaterais relevantes.
As projeções do Congressional Budget Office sugerem que a dívida pública poderá ultrapassar 124% do PIB em 2034, com o défice anual a manter-se acima de 6% do PIB nos próximos anos. Este cenário, se confirmado, tenderá a afastar investidores da dívida americana, pressionar as taxas de juro em alta e limitar a margem de manobra futura dos EUA.
Trump arrisca também perder parte significativa do seu apoio tradicional. Elon Musk, antigo aliado, tornou-se um crítico corrosivo e há senadores Republicanos que votaram contra a OBBB. Muitos eleitores conservadores esperariam ver a dívida e o défice a diminuir, não o contrário. O risco de erosão da base eleitoral é real, sobretudo se os impactos sociais dos cortes em programas como o Medicaid se fizerem sentir de forma mais aguda nas zonas mais vulneráveis. A retórica MAGA tentará mitigar este efeito.
A OBBB poderá agravar a já frágil coesão social americana. Os benefícios fiscais concentram-se nos mais ricos, mas os cortes recaem sobre os que vivem mais dependentes do Estado, pelo que não surpreende que apenas cerca de 30% dos americanos apoiem a medida (16% sem opinião), segundo sondagens recentes. O precedente histórico não é animador: iniciativas impopulares, como a tentativa de privatização da Segurança Social por Bush em 2005 ou o fracasso na revogação do Obamacare em 2017, resultaram em derrotas expressivas para os Republicanos nas eleições intercalares.
Outro ponto de incerteza prende-se com a Reserva Federal. Trump planeia nomear um sucessor de Jerome Powell que alinhe com as suas preferências por taxas de juro mais baixas, sabotando a independência da FED. Um banco central politizado dificilmente será visto como credível e garante da estabilidade, o que poderá agravar as pressões inflacionistas e aumentar o prémio de risco sobre o dólar e os EUA.
No plano político, quanto mais o pêndulo oscilar agora para políticas radicais, maior será a tentação de uma resposta igualmente extrema por parte dos Democratas no futuro. O risco de uma sociedade ainda mais polarizada, com clivagens ideológicas, étnicas e raciais, começa a ser o cenário central.
Trump poderá estar a apostar tudo num estímulo de curto prazo, mas a fatura poderá revelar-se pesada - para o país e para a sua própria ambição política. O futuro dirá se esta One Big Beautiful Bill será lembrada como um erro histórico ou mais um passo numa alteração estrutural da forma de funcionamento das instituições, política e economia dos EUA.
Economista conselheiro