O vigor do velhinho G7
Se os BRICS são vistos como um dos símbolos da ordem mundial pós-Guerra Fria, o G7 tem origens mais remotas, nomeadamente a resposta dos países mais industrializados ao choque petrolífero de 1973, com a sua formalização a acontecer dois anos depois, numa cimeira em Rambouillet, perto de Paris. Contudo, não nos apressemos a desvalorizar o grupo, que estará reunido até amanhã num resort na costa italiana do Adriático e já aprovou um empréstimo de 50 mil milhões de dólares à Ucrânia. É que, se há meio século os seus sete membros ocupavam os primeiros oito lugares da hierarquia das economias, só interrompidos pelo segundo lugar da União Soviética, hoje todos estão ainda nos dez primeiros lugares, só interrompidos pelo segundo lugar da China, pelo quinto da Índia e e pelo oitavo do Brasil. A Rússia, sucessora da União Soviética, é 11.ª.
Poder económico é sinónimo de influência global, como descobriu a China nas décadas mais recentes, quando as reformas lançadas por Deng Xiaoping, no final dos anos 1970, lançaram o processo que levou o país à condição de segunda potência económica do mundo. Mas mesmo com a China e a Índia como membros, mais o Brasil, a Rússia, a África do Sul e alguns países recentes, os BRICS valem cerca de 30% do PIB global, enquanto o G7 representa mais de 40%, ainda uma vantagem considerável.
Mas a maior vantagem do G7 sobre os BRICS, e ainda mais sobre os atuais BRICS+ (este ano entraram o Egito, a Etiópia, o Irão, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos), é a inegável coerência entre os seus membros, sobretudo desde que a Rússia foi expulsa em 2014, por causa da anexação da Crimeia, de um G8 que durava desde 1997 e que refletia a conversão do Kremlin ao capitalismo e à democracia na era de Boris Ieltsin, o primeiro presidente russo depois da desagregação, em 1991, da União Soviética.
Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Japão partilham hoje, tal como partilhavam no tempo da Guerra Fria, uma visão do mundo que facilita a sua ação conjunta, como se tem visto de forma muito efetiva desde a invasão russa da Ucrânia em 2022, com a entrega de pacotes financeiros a Kiev e a adoção de sanções sucessivas contra Moscovo (o empréstimo à Ucrânia sintetiza as duas atitudes, pois vai buscar os juros de ativos russos congelados no Ocidente). Dir-se-ia que as democracias capitalistas que triunfaram na Guerra Fria continuam muito mais unidas do que as potências emergentes, umas delas comunistas ainda, como a China, outras ex-comunistas, como a Rússia, outras até velhas democracias, como a Índia. Nenhuma questão opõe hoje dois membros do G7 que seja comparável pela gravidade com a rivalidade entre China e Índia ou a hostilidade entre sauditas e iranianos.
Um pouco na linha da Guerra Fria, o presidente americano, Joe Biden, surge assim como uma espécie de líder do mundo livre, reunindo em seu redor o canadiano Justin Trudeau, o britânico Rishi Sunak, o francês Emmanuel Macron, o alemão Olaf Scholz, a italiana Giorgia Meloni e o japonês Fumio Kishida. Enquanto esta unidade ocidental se manifestar, o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, que foi convidado para a cimeira em Itália, pode ambicionar resistir à Rússia de Vladimir Putin, mesmo que o dinheiro agora prometido ainda vá demorar a chegar e não corresponda ao pedido de Kiev para ser a totalidade dos ativos russos, exigidos como compensação de guerra.
A Rússia, por seu lado, denunciou como ilegal a decisão do G7 e prometeu retaliar no campo dos ativos ocidentais no país. Mas tirando os recursos energéticos, o poderio económico russo é limitado e isso afeta a sua influência global, mesmo que procure impressionar através da visita de navios a Cuba ou a cooperação com a Guiné-Bissau. Os BRICS+ não são grande ajuda a Moscovo para contrariar o G7 (que também tem a União Europeia como uma espécie de membro), mas o mesmo não se pode dizer da estreita parceria com a China. Porém, será o G7 tão unido se Donald Trump voltar à Casa Branca ou Marine Le Pen suceder a Macron?
Diretor adjunto do Diário de Notícias