O valor da palavra e do silêncio

Publicado a
Atualizado a

"Senhor Presidente, podemos mesmo confiar na sua palavra?” É difícil imaginar esta pergunta a ser dirigida a Ramalho Eanes, a Mário Soares, a Jorge Sampaio ou a Cavaco Silva. Todos os Presidentes antes do atual tiveram os seus pecadilhos ou posições polémicas que desagradaram a primeiros-ministros, a governos e a forças políticas ou a setores diversos da sociedade portuguesa. 

E todos foram, em muitas ocasiões, políticos pragmáticos, que entendiam - e bem - que a política é a arte do possível e não a insistência no resultado perfeito para tudo e todos. Os moderados e mais conhecedores do processo político gabam-lhes essa capacidade, os mais radicais ou extremistas criticam-nos como oportunistas e cata-ventos políticos. Isso também faz parte do jogo.

Apesar das críticas inerentes à função, Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva mantiveram, em larga medida, intacta a sua postura de Estado, durante e mesmo depois de terminados os anos de mandato em Belém. Sobretudo porque - com maior ou menor intensidade, consoante os casos - nunca puseram de lado a função - algo senatorial, é verdade - de, a propósito, falarem ao povo português sobre os temas prementes da sociedade e dos tempos, deixando importantes alertas sobre perigos reais ou previsíveis. 

Não há dúvida de que Marcelo Rebelo de Sousa ficará mesmo conhecido como o Presidente dos afetos, porque só ele consegue ouvir a pergunta que começa o texto - que lhe foi colocada ontem por um jornalista à margem do Natal dos Hospitais - e não destratar o interlocutor ou ignorá-lo por completo. Enquanto Presidentes, Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio ou Aníbal Cavaco Silva não deixariam impune - e logo ali,  na hora, creio - alguém que levantasse dúvidas publicamente sobre a sua palavra. Talvez dono de um maior jogo de cintura, Marcelo Rebelo de Sousa encarou a pergunta com naturalidade - sobretudo porque a mesma remetia para o momento em 1996 em que disse que “nem que Jesus desça à Terra” seria presidente do PSD. A história recorda-nos que um mês depois Marcelo estava a liderar o partido laranja.

Ao ser confrontado com a pouca fiabilidade da sua palavra noutros tempos, o Presidente passou minutos a justificar que tinha aprendido que “quando se diz que não, tem de ser não, totalmente não”. 

O mais curioso de tudo isto é que toda esta questão sobre a palavra dada surgiu porque Marcelo - o Presidente que nos últimos oito anos comentou numa base diária quase todos os temas da política nacional - afirmou que, quando sair de Belém, não mais se envolverá no dia a dia da política. Uma espécie de indiferença à vida dos portugueses que seria estranha a todos os ex-Presidentes e ainda mais a Marcelo Rebelo de Sousa.

Diretor-Adjunto do Diário de Notícias

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt