A cena era banal, mas tornou-se reveladora. No supermercado, esperava enquanto a funcionária fatiava o fiambre. Subitamente, a máquina decidiu deixar de colaborar. A jovem empregada, com dedicação e boa vontade, desmontou e voltou a montar o disco de corte. Tentou uma e outra vez, mas nada. Chamou então um colega, também jovem, que repetiu o processo: desligar, religar, apertar, desapertar. O resultado foi o mesmo: silêncio metálico, nenhum fiambre cortado.Passaram-se dez longos minutos, que suportei com paciência e alguma solidariedade para com aqueles profissionais empenhados em resolver o contratempo. Até que surge uma senhora, empregada do supermercado, talvez com sessenta anos. Não tocou na máquina. Apenas observou, de vários ângulos, em silêncio. Por fim, disse aos dois colegas: “o disco ali tem de ser posicionado bem acima, antes de o apertar”. Disse-o com a calma de quem sabe, não por ter lido num manual, mas porque a vida lhe ensinou. Voltou depois ao seu posto, sem qualquer gesto de protagonismo. A primeira empregada seguiu a instrução e, de repente, a máquina voltou à vida, fatiando o fiambre com precisão.Este episódio encerra uma lição simples, mas frequentemente esquecida: a experiência conta. No mercado de trabalho, porém, parece que esquecemos esse detalhe. As empresas proclamam que não há mão de obra qualificada, lamentam a falta de quem saiba “fazer coisas”, mas, quando contratam, querem sempre jovens… com experiência de velhos.É um paradoxo que atravessa setores inteiros. A publicidade dos recrutadores está cheia de expressões como “espírito jovem”, “perfil dinâmico”, “até 35 anos”. É como se a idade fosse um defeito e não uma mais-valia. Porém, basta olhar para a realidade: em muitas profissões, aos 50 ou 60 anos, está-se no auge da maturidade, da clarividência e da capacidade de resolver problemas. O que falta em juventude sobra em conhecimento acumulado.Não se trata de desvalorizar os jovens, que trazem consigo energia, novas linguagens e competências digitais. Mas, ao excluir os seniores, o mercado perde uma fonte insubstituível de saber tácito, desse conhecimento prático que não vem nos manuais e que só a experiência fornece. Quantas empresas poderiam poupar tempo e dinheiro se valorizassem a sabedoria dos que já passaram por vários ciclos de crise, de mudança e de reinvenção?Felizmente, começam a surgir sinais de viragem. O ISCTE, por exemplo, lançou recentemente uma pós-graduação dirigida a profissionais com mais de 50 anos. A ideia é simples e poderosa: proporcionar ferramentas para que estes profissionais, tantas vezes relegados para segundo plano, possam reencontrar-se, reposicionar-se e até lançar novos negócios. É um gesto que reconhece que a idade não é um obstáculo, mas uma vantagem competitiva, se for enquadrada com visão.A cena da máquina de fiambre pode ter sido pequena, quase irrelevante. Mas foi suficiente para me lembrar que, se quisermos, a experiência pode ser o motor de um país. Basta dar-lhe lugar.Professor catedrático